sábado, 23 de outubro de 2010

As Graves Consequências do Novo Código Florestal

Por Mauro da Fonseca Ellovitch, Promotor de Justiça/MG, Coordenador Regional das Promotorias de Defesa Do Meio Ambiente da Bacia do Alto São Francisco

O Direito Ambiental brasileiro firma-se em três pilares: a Constituição Federal, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n° 6938/81) e o Código Florestal (Lei n° 4771/65). Esta fundação sólida permitiu que nosso instrumental jurídico ambiental fosse considerado um dos mais avançados do mundo. A implosão de qualquer desses pilares pode acarretar a ruína de toda a estrutura.

Eis que é aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, no dia 06 de julho de 2010, o Substitutivo de Projeto de Lei n°1876/99, o alardeado “Novo Código Florestal”. Em clara ofensa ao Princípio Internacional de Proibição do Retrocesso Ecológico, o projeto de relatoria do Deputado Aldo Rebelo acarreta a regressão de diversos instrumentos legais de proteção do Meio Ambiente. Fundamentado por sofismas e pelo temor xenofóbico do “estrangeiro”, o Brasil caminha para ser o primeiro país democrático a aprovar lei pela redução da proteção ambiental. Mais um triste título que não queremos ostentar.

O risco de inundações e desabamentos, bem como as ameaças à segurança e ao bem estar da população, ficam evidentes quando o Projeto de Lei reduz as áreas de preservação ao longo dos cursos d’água dos atuais 30 metros para 15 metros de faixa marginal, demarcadas a partir do leito menor do curso d’água. Com isso, será permitida a ocupação de extensas áreas inundáveis. Um país castigado por recentes tragédias decorrentes de enchentes não deveria sequer cogitar essa possibilidade.

O Projeto de Lei 1876/99 retira a proteção dos topos de morro e de terras acima de metros de altitude. Reportamo-nos às perdas humanas causadas por desabamentos de morros no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, no início do presente ano, para provar que deveríamos buscar a aplicação concreta da legislação atual ao invés de abandoná-la.

Também trará graves conseqüências a dispensa a obrigação de manutenção de Reserva Legal em imóveis com até quatro Módulos Fiscais. Reserva legal é um percentual de vegetação nativa que deve ser mantido em cada posse ou propriedade. A suposta justificativa para esta hipótese de inexigibilidade de Reserva Legal seria a proteção à pequena agricultura familiar. Todavia, o supramencionado dispositivo legal não faz qualquer referência à condição sócio-econômica do beneficiário da dispensa. A Lei 4771/65 já traz providências diferenciadas para a agricultura familiar. O que precisamos é garantir sua aplicação prática, sem abandonar a proteção de maneira irrestrita. Na verdade, o Projeto do Deputado Aldo Rebelo está estimulando o fracionamento de propriedades de riquíssimos empreendedores, que passarão a se beneficiar de importantes recursos ambientais, deixando o prejuízo para ser arcado pela sociedade.

O “Novo Código Florestal” propõe o cômputo da área de preservação permanente no percentual de Reserva Legal de cada imóvel. Qualquer estudo cuidadoso sobre o tema levará à conclusão de que a Área de Preservação Permanente e a Reserva Legal exercem funções diferentes, porém complementares. Enquanto a Área de Preservação Permanente desempenha primordialmente as funções de preservação de áreas e ecossistemas frágeis, a Reserva Legal presta-se à conservação de vegetação e fauna nativa, representativas do bioma em que estão localizadas (Floresta, Cerrado, Campos, etc). A Área de Preservação Permanente e a Reserva Legal integram um mosaico de proteção de serviços ecológicos como abrigo de fauna, polinização, manutenção da biodiversidade, estoque de carbono e regulação do clima.

Além de implicar em grave retrocesso na proteção ambiental referente a situações futuras, o substitutivo do Código Florestal se presta a anistiar desmates ilegais e degradações ambientais causadas até 22 de julho de 2008. O projeto em foco defende não só a proibição de autuações e a suspensão de multas e sanções administrativas, como também a consolidação das ilicitudes cometidas até a referida data, sem necessidade de recuperação das áreas degradadas. Assim, a legislação pátria estará premiando todos aqueles que descumpriram legislação vigente e penalizando todos os empreendedores que arcaram com os ônus decorrentes do cumprimento da função socioambiental da propriedade. O resultado prático será o estímulo à concorrência desleal, o descrédito das instituições públicas, o impedimento da regeneração de ecossistemas impactados e a perpetuação da degradação e da perda de recursos ambientais.

Eventual aprovação do Projeto do Deputado Aldo Rebelo contribuirá para o aquecimento global. Segundo estudo elaborado pelo Greenpeace e pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), a aprovação do Novo Código Florestal poderá resultar na emissão de 25 a 31bilhões de toneladas de carbono só na Amazônia.

Contrariando o argumento da suposta falta de áreas agricultáveis, utilizado para apoiar o Novo Código Florestal, recente estudo coordenado pela Esalq-USP mostra que o país ainda dispõe de mais de 100 milhões de hectares de áreas plenamente aptas a implantação de atividades agrícolas. Nas vastas áreas disponíveis, a associação da evolução tecnológica com manejo agrícola sustentável, além do melhor aproveitamento das culturas já implantadas, nos dão a garantia de segurança produtiva, sem necessidade de redução da proteção ambiental.

O Projeto do Deputado Aldo Rebelo reforça a tradição de busca por medidas simplistas e milagrosas para resolver problemas complexos. É muito mais fácil abraçar as ilegalidades cometidas e deixar de proteger e recuperar o meio ambiente do que adotar medidas que efetivamente iriam agilizar e estimular o desenvolvimento sustentável; como o adequado aparelhamento dos órgãos ambientais, a criação de estímulos financeiros, fiscais e creditícios para a preservação e o aporte de recursos estatais para a adequação das pequenas propriedades de agricultura familiar. Alegar que o Código Florestal não está sendo cumprido integralmente não é justificativa para depredá-lo. Se adotássemos tal raciocínio, teríamos de parar de penalizar o homicídio e o tráfico de entorpecentes. As verdadeiras soluções devem ser discutidas dialeticamente, resultando em políticas públicas concretas ao invés do simples retrocesso da legislação.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Preservação Ambiental e Desenvolvimento – Um Diálogo Possível

* Por Sérgio Soares

Assistimos diariamente a calorosos pronunciamentos promovidos e repetidos por grandes empresas e pela bancada ruralista da Câmara dos Deputados, incutindo na população, de modo consciente, a idéia de que a preservação ambiental seria um entrave ao desenvolvimento da Nação. A campanha é tão presente e ativa que por vezes acabamos por cair na armadilha, acreditando na assertiva. A confusão entre desenvolvimento e preservação ambiental apenas interessa aos que visam o lucro acima de tudo, pouco se importando com a qualidade de vida no planeta.

O desenvolvimento sustentável é conhecido por todos há vários anos, sendo fruto de uma séria análise do modo de agir do ser humano frente ao planeta Terra, entendido como um complexo ecossistema que deve ser mantido, observado, respeitado e preservado para esta e futuras gerações.

Temos tecnologia suficiente para impulsionarmos o necessário desenvolvimento de nossas ações sem prejudicar o meio onde vivemos. A questão é saber até que ponto os grandes empreendedores estão dispostos a fazer uso dessa tecnologia, posto que todos sabemos que um empreendimento realizado sem compromisso ambiental exige menos investimento financeiro.

Assistimos grandes empresas alardeando serem “amigas do meio ambiente”, plantando árvores e indicando medidas adotadas visando evitar desperdício de energia, dentre outras. A propaganda é salutar, mas este modo de agir deveria ser a regra, e não a exceção. Ademais, sabe-se que algumas destas empresas não agem por vontade própria, estando apenas a cumprir recomposições ou compensações ambientais firmadas com o Ministério Público ou com órgãos ambientais administrativos, através do instrumento denominado compromisso de ajustamento de conduta, o popular TAC tratado no artigo 5º, §6º da Lei nº 7.347/85, que se revelou ferramenta jurídica de vasta utilidade no campo ambiental, possibilitando a resolução de conflitos na esfera extrajudicial e trazendo benefícios diretos a todos os envolvidos e ao assoberbado Poder Judiciário.

Em realidade, o discurso vazio de que a preservação ambiental seria um entrave ao País não tem mais lugar. As vozes que se levantam neste sentido são de pessoas que perderam o rumo da história, não se modernizaram e pretendem persistir na degradação dos recursos naturais, explorando-os de modo irresponsável e descontrolado, expondo a raça humana ao preço cobrado pela natureza, por vezes caro demais para que possamos simplesmente bater às portas do Fundo Monetário Internacional (FMI) ou do Banco Mundial com um pedido de socorro.

Ao lidarmos com recursos naturais e fontes de vida, todo cuidado é bem-vindo. Mesmo pontuais exageros, a serem corrigidos, devem ser vistos como parte do processo de amadurecimento e enfrentamento da situação de degradação irresponsável de nosso meio ambiente, urbano e rural.

Uma espécie animal eliminada em determinado local gera um descontrole na cadeia alimentar e pode ocasionar o surgimento de pragas que infestarão as plantações e influenciarão a produção de alimentos, gerando gastos adicionais na cadeia de produção e aumentando o custo dos alimentos.

A derrubada das matas e da vegetação empobrece o solo ao redor, expõe as nascentes, cria processos de erosão e ocasiona o assoreamento e a diminuição do volume das águas dos rios, sendo sentença de morte aos cursos d`água, prejudicando o abastecimento dos aglomerados urbanos e encarecendo o custo da água.

Prevenção é a palavra de ordem em se tratando de preservação ambiental. É melhor (e mais barato) gastar antes, cuidando do planeta e adequando nossas ações, do que gastar mais depois, em ações que invariavelmente não tratarão a origem das mazelas.