quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Princípio da insignificância e crimes militares

Vejam a seguinte notícia. Comento depois.

Posse de droga no quartel não é insignificante

Por considerar que pequena quantidade de droga apreendida não descaracteriza o crime de posse de substância entorpecente, a ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, negou liminar a um ex-soldado do Exército. Ele pediu o arquivamento da Ação Penal que tramita contra ele na Justiça Militar. Em sua decisão, a ministra considerou que há um crime militar de tráfico, porte ou uso de droga.

De acordo com os autos, o militar foi preso em flagrante quando encontraram dentro do armário dele um pequeno embrulho com 2,5g de maconha. A Defensoria Pública da União pediu o arquivamento da ação com base no princípio da insignificância.

O Superior Tribunal Militar rejeitou o pedido de Habeas Corpus. Afirmou que não há como se considerar o princípio da insignificância “por se tratar de conduta de perigo presumido, além de ofensiva à hierarquia e à disciplina militares”.

No Supremo, a relatora, ministra Cármen Lúcia, salientou que se trata de uma conduta praticada por ex-soldado do Exército, dentro de unidade militar, e que a substância foi encontrada durante revista no armário do acusado, “circunstâncias que demonstram a presença de elementos de conexão militar”. “A jurisprudência predominante no STF é no sentido de reverenciar a especialidade da legislação penal militar e da justiça castrense, sem a submissão à legislação penal comum ao crime militar devidamente caracterizado.”

Ao rejeitar o pedido de liminar, a ministra observou que “a matéria impõe exame aprofundado, que há de ser feito quando do julgamento de mérito do presente habeas corpus, após parecer da Procuradoria Geral da República”.
Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

Fonte: site Última Instância (www.ultimainstancia.com.br)


Há duas questões para comentar na notícia.

A primeira diz respeito ao chamado principal da matéria, ou seja, o indeferimento da liminar pela Ministra, tendo em vista a incompatibilidade entre a disciplina militar e o princípio da insignificância. Com efeito, fica difícil imaginar a hierarquia militar sendo afrontada por meias proibições, não havendo como conciliar uma transgressão com os princípios basilares do meio castrense.

O segundo ponto, e que acho mais importante, está no fato de uma corte, que pretende ser Corte Suprema, se ocupar de tais assuntos. O que temos hoje, na verdade, principalmente em matéria penal, é uma quarta instância (no âmbito militar, uma terceira). A questão deveria morrer no STM (ou no STJ, quando for matéria da justiça comum). É preciso rever o papel do STF, pois não há corte constitucional no mundo que se ocupe de temas como o que está descrito na notícia. A reforma do Judiciário perdeu uma excelente oportunidade de modificar essa anomalia. Porém, sabemos que isso interessa a muita gente, pois quem tem alto poder aquisitivo consegue fazer os HC's chegarem ao STF, o que acaba criando um aberrante foro privilegiado para quem não tem essa prerrogativa (na prática, o STF apenas "delega" poderes aos juízes de primeiro e segundo graus para fazerem a instrução - as questões centrais são decididas no STF, em sede de HC).

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Luciano Farah novamente condenado por homicídio

O empresário Luciano Farah, autor do homicídio que vitimou o promotor de Justiça Francisco José Lins do Rêgo em 2002, em decorrência da atuação funcional do representante do Ministério Público na esfera consumerista (fiscalização de venda de combustíveis em Belo Horizonte), foi novamente condenado pela prática de homicídio.

Eis a notícia, extraída do portal UAI, na internet:

"Mais de 20 horas de julgamento e uma nova condenação ao empresário Luciano Farah do Nascimento, de 37 anos. Já preso pelo assassinato do promotor de Justiça Francisco José Lins do Rêgo, em janeiro de 2002, Luciano e o ex-soldado da Polícia Militar Edson Souza Nogueira de Paula, de 34, foram condenados à prisão pela morte de um homem suspeito de roubar R$ 390 de um dos postos da rede de combustíveis do empresário. Anderson de Carvalho foi executado a tiros, às margens da BR-040, dez dias antes do crime contra o promotor.

Além dos dois, o office-boy Geraldo Roberto Parreiras, de 26, também sentou-se no banco dos réus no Fórum de Contagem, na Grande BH. Geraldo, que está em liberdade condicional pela morte de José Lins do Rêgo, foi abolvido da acusação. A pena para Luciano foi de 19 anos em regime fechado e o ex-militar terá que cumprir a sentença de 12 anos de reclusão. Os advogados de defesa disseram que vão recorrer da sentença.

O julgamento começou por volta das 8h30 e só terminou às 4h desta madrugada. A defesa dos réus chegou a pedir para que os três fossem julgados separadamente, mas a juíza não concordou. Luciano Farah negou o assassinato de Anderson, assim como fez o ex-soldado da PM. A defesa dos três ainda insistiu na negativa de autoria, com base na falta de provas. A sessão precisou ser interrompida por causa de um bate-boca entre a promotoria e a defesa.

O caso

O julgamento pela execução do suspeito de roubo foi marcado inicialmente para julho, mas foi adiado por duas vezes. De acordo com denúncia do Ministério Público, Anderson de Carvalho foi a um posto de combustível da família Farah, na Rua Araguari com Avenida Amazonas, no Bairro Barro Preto, Região Centro-Sul da capital, rendeu os frentistas com uma arma e fugiu com R$ 390 em dinheiro. Geraldo Parreiras teria informado Farah e Edson sobre as características do ladrão e o ônibus que ele havia tomado. Os três interceptaram o coletivo, apontando armas para obrigar o motorista a parar e Edson entrou no ônibus se passando por policial civil, acompanhado do empresário.

Ainda segundo a denúncia, o ex-policial Edson Souza algemou o suspeito do assalto e o colocou no carro. Na BR-040, ele disparou 16 tiros nas costas de Anderson, seguindo ordens do patrão, “em verdadeira atividade típica de grupo de extermínio”, conforme relata o MP, que denunciou os réus por homicídio qualificado e motivo torpe, recurso que impossibilitou a defesa da vítima, e meio cruel.

Conforme o Fórum Lafayette, Luciano Farah está preso na Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem, desde 2002, cumprindo pena de 21 anos e seis meses pela morte do promotor."

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Projeto "Ficha Limpa" chegará ao Congresso amanhã!

Projeto de Lei de iniciativa popular que barra candidatura de políticos processados ou condenados será entregue ao Congresso Nacional nessa terça-feira. CONAMP participa da entrega.


28/09/2009 O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – MCCE, do qual faz parte a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP, realiza, nessa terça-feira (29), às 11h30, a entrega ao Congresso Nacional do Projeto de Lei de iniciativa popular que impede a candidatura de políticos processados ou condenados. O presidente da CONAMP, José Carlos Cosenzo, vai participar da entrega do Projeto de Lei.

Para enviar o PL ao Congresso, foram coletadas, por meio da campanha Ficha Limpa, 1 milhão e 300 mil assinaturas, o equivalente a 1% do eleitorado brasileiro. A proposta altera a Lei complementar n.º 67/90, a chamada Lei de Inelegibilidades, para barrar a candidatura de políticos condenados (a partir da 1ª instância) ou que tenham processos em andamento ou, ainda, que tenham renunciado para fugir de cassações.

A partir das 09h30, haverá a concentração de membros do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e da sociedade civil no gramado em frente ao Congresso. De lá, os participantes sairão em caminhada até o salão verde da Câmara. O ato simbólico vai contar com a presença de juristas, artistas e representantes das 43 entidades que compõem o Comitê Nacional do MCCE.

Entenda a campanha Ficha Limpa e o Projeto de Lei
No mesmo formato em que foi desenvolvida a campanha pela Lei 9.840/99 – a primeira de iniciativa popular do país e que combate a compra de votos e o uso eleitoral da máquina administrativa, também, por meio da iniciativa popular –, o MCCE pretende melhorar o cenário político brasileiro. Até agora, cerca de 700 políticos foram cassados com base na Lei 9.840 no Brasil. De acordo com o último levantamento feito pelo MCCE, com dados do Tribunal Superior Eleitoral – TSE, até março de 2009, 357 prefeitos e vice-prefeitos tiveram seus mandatos cassados por compra de votos nas eleições de 2008.

Após dez anos de fiscalização da Lei 9.840, a sociedade percebeu que não basta só denunciar e cassar políticos corruptos, e sim que seria importante ir mais além e impedir que políticos com perfis inadequados participassem do processo eleitoral. Com a aprovação do novo Projeto de Lei de iniciativa popular proposto pela campanha Ficha Limpa, esses parlamentares cassados não poderiam se candidatar por um prazo de oito anos, dentre outras medidas.

O PL tem base no § 9° do artigo 14 da Constituição Federal, que determina ao Congresso a edição de lei complementar que estabeleça "outros casos de inelegibilidade (...), considerada a vida pregressa do candidato".

CONAMP
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sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O Pagamento de Gratificação Natalina a Secretários Municipais

Segue artigo jurídico de autoria do Dr. Rodrigo Alves Barcellos, advogado em Leopoldina/MG, abordando tema que vem sendo bastante discutido em nossos tribunais.

A INCONSTITUCIONALIDADE DO PAGAMENTO DE GRATIFICAÇÃO NATALINA A SECRETÁRIOS MUNICIPAIS.

Rodrigo Alves Barcellos
Advogado em Minas Gerais
Pós-graduado em Direito Público pela PUC-MG
Coordenador Subseccional da Escola Superior da Advocacia



Um tema que tem gerado bastante controvérsia, principalmente em virtude da Recomendação da Coordenadoria de Controle de Constitucionalidade do Ministério Público do Estado de Minas Gerais que busca coibir o pagamento de gratificação natalina a Prefeitos, Vice-Prefeitos e Vereadores, diz respeito à inconstitucionalidade da percepção desta verba remuneratória também por Secretários Municipais.

Diz o artigo 39, parágrafo 4º da Constituição da República que:
O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.

Em que pese a clareza da determinação constitucional, DI PIETRO, autora sempre citada para respaldar a possibilidade do pagamento de décimo terceiro “salário” ou gratificação natalina aos Secretários Municipais, comentado a norma acima, enfatiza que: Embora o dispositivo fale em parcela única, a intenção do legislador fica parcialmente frustrada em decorrência de outros dispositivos da própria Constituição, que não foram atingidos pela Emenda. Com efeito, mantém-se, no artigo 39, § 3º, a norma que manda aplicar aos ocupantes de cargo público o disposto no artigo 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX. Com isto, o servidor que ocupe cargo público (o que exclui os que exercem mandato eletivo e os que ocupam emprego público, já abrangidos pelo artigo 7º) fará jus a: décimo terceiro salário, adicional noturno, salário-família, remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, a 50% à do normal, adicional de férias, licença à gestante, sem prejuízo do emprego e salário, com a duração de cento e vinte dias.
Poder-se-ia argumentar que o § 4º do artigo 39 exclui essas vantagens ao falar em parcela única; ocorre que o § 3º refere-se genericamente aos ocupantes de cargo público, sem fazer qualquer distinção quanto ao regime de retribuição pecuniária. Quando há duas normas constitucionais aparentemente contraditórias, tem-se que adotar interpretação conciliatória, para tirar de cada uma delas o máximo de aplicação possível. No caso, tem-se que conciliar os §§ 3º e 4º do artigo 39, de modo a entender que, embora o segundo fale em parcela única, isto não impede a aplicação do outro, que assegura o direito a determinadas vantagens, portanto, igualmente com fundamento constitucional.

Ao nosso modesto sentir, esta não é a melhor interpretação. Tem-se, in casu, a norma do §4º do art. 39 da Constituição Federal que é específica no que tange à remuneração dos Secretários Municipais. A norma genérica do §3º contempla a possibilidade do pagamento do décimo terceiro aos servidores ocupantes de cargos públicos que não aqueles expressamente ressalvados pelo §4º do dispositivo constitucional em comento.

É princípio basilar de hermenêutica jurídica que a norma especial afasta a incidência da norma geral no que diz respeito à questão específica, na linha do velho brocardo latino: lex speciali derogat generali. A questão específica da remuneração de secretários municipais é regida pela norma especial do §4º do art. 39 da Carta de 1988, por isso que, vale repetir, a norma geral não revoga nem modifica a norma especial ou, noutras palavras, a norma especial sim, é quem afasta a aplicabilidade da norma geral do §3º do mesmo artigo.

DINIZ ensina que:
Uma norma é especial se possuir em sua definição legal todos os elementos típicos da norma geral e mais alguns de natureza objetiva ou subjetiva, denominados especializantes. A norma especial acresce um elemento próprio à descrição legal do tipo previsto na norma geral, tendo prevalência sobre esta, afastando-se assim o bis in idem, pois o comportamento só se enquadrará na norma especial, embora também esteja previsto na geral.
E continua:
Para Bobbio, a superioridade da norma especial sobre a geral constitui expressão da exigência de um caminho da justiça, da legalidade à igualdade, por refletir, de modo claro, a regra da justiça suum cuique tribuere. Ter-se-á, então, de considerar a passagem da lei geral à exceção como uma passagem da legalidade abstrata à eqüidade. Essa transição da norma geral à especial seria o percurso de adaptação progressiva da regra de justiça às articulações da realidade social até o limite ideal de um tratamento diferente para cada indivíduo, isto porque as pessoas pertencentes à mesma categoria deverão ser tratadas da mesma forma, e as de outra, de modo diverso. Há, portanto, uma diversificação do desigual. Esse critério serviria, numa certa medida, por ser decorrência do princípio constitucional da isonomia, para solucionar antinomias, tratando desigualmente o que é desigual, fazendo diferenciações exigidas fática e axiologicamente, apelando para isso à ratio legis.

Pensamos que a razão da norma insculpida no §4º do artigo 39 da Constituição Federal situa-se justamente no fato de dar tratamento desigual a agentes públicos que se encontram em situação de desigualdade. Acaso fosse intenção do legislador constitucional possibilitar o pagamento da pecúnia natalina aos Secretários Municipais, não teria veiculado expressamente estes agentes na prescrição restritiva mencionada.

BANDEIRA DE MELLO afirma que:
Para que um discrímen legal seja convivente com a isonomia, consoante visto até agora, impende observar que concorram quatro elementos:
a) que a desequiparação não atinja de modo atual e absoluto, um só indivíduo;
b) que as situações ou pessoas desequiparadas pela regra de direito sejam efetivamente distintas entre si, vale dizer, possuam características, traços, nelas residentes, diferençados;
c) que exista, em abstrato, uma correlação lógica entre os fatos diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico em função deles, estabelecida pela norma jurídica;
d) que, in concreto, o vínculo de correlação supra-referido seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, isto é, resulte em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão valiosa – ao lume do texto constitucional – para o bem público.

De acordo com a boa técnica interpretativa, devemos entender que a Constituição Federal não possui palavras inúteis, sob pena de derrogação do brocardo verba cum effectu, sunt accipienda. CARLOS MAXIMILIANO ensina que “as expressões do Direito interpretam-se de modo que não resultem frases sem significação real, vocábulos supérfluos, ociosos, inúteis”. No mesmo sentido ALEXANDRE MORAES, com base no magistério de Jorge Miranda, afirma que “deve ser fixada a premissa de que todas as normas constitucionais desempenham uma função útil no ordenamento, sendo vedada a interpretação que lhe suprima ou diminua a finalidade”. E arremata FERRARA: “A interpretação deve ser objetiva, desapaixonada, equilibrada, às vezes audaciosa, porém não revolucionária, aguda, mas sempre atenta respeitadora da lei”. Logo, ao interpretar-se a Carta Maior de forma a possibilitar o pagamento de verba natalina (décimo terceiro) aos Secretários Municipais, não haveria função normativa para o texto do §4º do art. 39.

Bem por isso, presente a regra de hermenêutica mencionada, o §4º do art. 39 da Constituição Federal deixou expresso que Secretários ‘Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória’. O §3º abrange ocupantes de cargo público (gênero), o §4º exclui secretários municipais (espécie).

O Ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto enfatizou com clareza esta distinção:
Bem, sobre essa matéria, o §4º do art. 39 da Constituição Federal (redação introduzida pela EC nº 19/98) estabelece que o membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio, cuja fixação ou alteração é matéria reservada à lei específica, observada, em cada caso, a respectiva iniciativa (incisos X e XI do art. 37 da CF/88). Fez, então, uma nítida separação entre a classe dos servidores públicos em geral e o segmento daqueles agentes situados no topo da estrutura funcional de cada Poder Orgânico da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Isto, naturalmente, para ensejar maior visibilidade aos ganhos regulares de tais agentes de proa, cujos cargos, por isso mesmo, têm os respectivos nomes cunhados pela própria Constituição. O que não se dá com aqueles em que se decompõem as competências ordinárias do Estado.

FERNANDO BOTELHO, Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, examinando especificamente a questão da inaplicabilidade dos direitos insculpidos no §3º do art. 39 da CF aos Secretários Municipais, proferiu a seguinte decisão:
Contudo, a norma constitucional em comento, acrescentada pela Emenda Constitucional nº 19, de 04.06.98, se torna aplicável, tão-somente, aos agentes públicos-servidores ocupantes de cargo público.
Aos agentes políticos, como os Secretários Executivos Municipais, aplica-se, com exclusividade, a outra disposição constitucional - do § 4º, do artigo 39, que, insista-se, dispõe:
‘O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.’
Nesse diapasão, vê-se que o legislador constituinte derivado deu tratamento diferenciado aos servidores públicos e aos agentes políticos quanto aos direitos sociais garantidos pelo artigo 7º, já que estendeu expressamente alguns destes apenas àqueles, isto é, aos servidores, ocupantes de cargo público.
Noutras palavras, a regra do artigo 7º se mostra aparentemente geral, aplicável ao universo dos servidores públicos, mas não pode esta aplicabilidade fissurar a do artigo 39, § 4º, que se mostra especial e restritiva-específica, posto que dirigida a determinados agentes - membros de Poder.
Assim, a última prevalece sobre a primeira frente à especificidade de que cuida, vale dizer, exclui-se, do âmbito da primeira a categoria de agentes públicos (lato sensu) - os agentes políticos (stricto sensu) - cujo regramento remuneratório se conduz sob a égide especial-específica, do parágrafo 4º do art. 39/CF.
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, após tecer considerações sobre os servidores públicos, adverte, neste exato sentido, que ‘ditas observações só valem para estes, não abrangendo os agentes políticos, pois é apenas dos primeiros que cogita o art. 39, § 3º’ (op. cit., p. 253)
Em que pese divergências doutrinárias e jurisprudenciais a respeito do tema, filio-me, pois, a este entendimento: o de que aos agentes políticos integrados ao Poder Executivo Municipal não se aplicam direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, insculpidos no artigo 7º da Carta Magna, in casu consubstanciados no ‘décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria’ (inciso VIII) e ‘o gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal’" (inciso XVII).

Logo, inquestionável que, por força do art. 7º, VIII combinado com o art. 39, § 3º, a gratificação natalina somente se aplica aos servidores ocupantes de cargo público. E sobre o conceito de servidor público tal como dimana da Constituição, assim pontifica o ilustre José Afonso da Silva, com remissão a Hely Lopes Meirelles e Carmem Lúcia Antunes Rocha:
O elemento subjetivo do órgão público - o titular - denomina-se genericamente agente público, que, dada a diferença de natureza das competências e atribuições a ele cometidas, se distingue em: agentes políticos , titulares de cargos que compõem a estrutura fundamental do governo, e agentes administrativos, titulares de cargo, emprego ou função pública, compreendendo todos aqueles que mantêm com o Poder Público relação de trabalho, não eventual, sob vínculo de dependência, caracterizando-se, assim pela profissionalidade e relação de subordinação hierárquica.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais também examinou a matéria em abril de 2008 nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.0000.08.470784-3/000, em que o Procurador Geral de Justiça de Minas Gerais apresentou representação, com pedido de cautelar suspensiva, objetivando a declaração de inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 2.949, de 02 de junho de 2004, do Município de Boa Esperança, que instituía o décimo terceiro subsídio aos Secretários Municipais. O dispositivo da Lei Municipal em comento tinha a seguinte redação: “Art. 2º - Será devido décimo terceiro (13º) subsídio aos Secretários Municipais, no valor de seu subsídio mensal, a ser pago no final de cada ano da legislatura”. O Desembargador-relator CÉLIO CÉSAR PADUANI, deferiu a cautelar reivindicada, para suspender a eficácia deste artigo 2º, sendo a liminar ratificada pela Corte Superior do Tribunal de Justiça Mineiro em votação unânime.

No mesmo sentido, com base em decisão do Superior Tribunal de Justiça , o Tribunal de Contas do Estado da Bahia, no Parecer Normativo n. 10/05, asseverou que “não podem os agentes políticos municipais do Estado da Bahia, eleitos ou nomeados, receber gratificação natalina, ou décimo terceiro salário, a partir do exercício em curso de 2005, ficando revogadas quaisquer orientações pregressas que versem sobre o assunto e que se choquem com o aludido decisório”, fazendo alusão às razões de decidir do Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA que enfatizou: “em se tratando de dinheiro público, não se pode cogitar do subjetivismo de ser justo ou injusto o pagamento de determinado encargo, devendo prevalecer, isso sim, a sua legalidade e constitucionalidade”.

Alguns Tribunais de Justiça admitiam, até bem pouco tempo atrás, o pagamento de gratificação natalina aos Secretários Municipais, desde que amparado por lei municipal autorizadora. No entanto, nunca conseguiram responder à seguinte indagação: Se a Constituição Federal, em seu art. 39, §4º, veda o pagamento “de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória”, como pode a lei municipal dispor em sentido contrário, sem quedar-se em inconstitucionalidade material?

Lado outro, se Prefeitos e Vereadores, que possuem a legitimidade da soberania popular expressada através do voto, não fazem jus à verba natalina, situação já pacificada na doutrina e na jurisprudência pátria, por que motivo os Secretários Municipais, que na maior parte das vezes galgam estes postos pelo apadrinhamento unipessoal, pela posição político-partidária que adotam no período pré-eleitoral, teriam direito a este beneplácito remuneratório. Ainda mais que a vedação ao pagamento provém do mesmo dispositivo constitucional (art. 39, §4º) onde todos estes agentes estão expressamente elencados. Secretários Municipais, da mesma forma que Prefeitos e Vereadores, não prestam concurso público, não são organizados em carreira, o provimento de seus cargos ocorre de forma discricionária e desprovido do vínculo da permanência no serviço público. Comandam a Secretaria pelo período do mandato do Prefeito ou enquanto gozar da confiança e simpatia deste ou ainda de acordo com os influxos das conjecturas políticas da época. Logo, não podem ser equiparados aos servidores efetivos elencados no §3º do artigo 39 do Texto Fundamental, pelo fato de serem regidos por situação funcional juridicamente diversa.

Insista-se, sem previsão constitucional, não há como estender aos Secretários Municipais a gratificação natalina. A finalidade da regra insculpida no artigo 39, §4º da Constituição Federal é justamente unificar a remuneração, evitando a multiplicação indevida de parcelas. Logo, se Secretários Municipais não são equiparados aos empregados ou aos servidores públicos, concluímos que os direitos sociais fundamentais inseridos nos artigos 7º e 39, § 3º da Lei Fundamental, incluindo o décimo terceiro, não lhes alcançam, sendo, de conseqüência, inconstitucional qualquer disposição legislativa municipal que lhes proporcionem o percebimento desta verba pecuniária.

Notas e referências bibliográficas:

BRASIL. Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Procedimento Administrativo n. MPMG-0024.09.000597-6. Ementa: “Norma jurídica municipal. Pagamento de 13º salário a agentes políticos detentores de mandato eletivo. Impossibilidade. Inexistência de relação com o Poder Público, senão a de natureza política. Inconstitucionalidade.”

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 464.

DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 74.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 41.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 250.

MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 43.

FERRARA, Francesco. Trattato di Diritto Civile Italiano. Vol. I. Roma: Athenaeum, 1921, p. 206.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direita de Inconstitucionalidade n.º 3.491-0. Rio Grande do Sul. Rel. Min. Carlos Ayres Britto. j. 27 set 2006.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível n.° 1.0107.07.001029-6/001. Comarca de Cambuquira. Rel. Des. Edgard Penna Amorim. j. 08 ago 2008.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 658.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário n.º 15.476/BA. 5ª T. Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca. j. 16 mar 2004.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Há luz no fim do túnel

No post anterior, do nosso confrade Sérgio, já havia menção à inconstitucionalidade da retroatividade da lamentável PEC. Porém, pelo menos para a legislatura que está em andamento, não haverá modificação, o que seria, realmente, inacreditável.

E assim continuamos com nosso Estado patrimonialista (muito bem retratado por Raymundo Faoro em "Os Donos do Poder" - há edição muito bem acabada comemorando os 50 anos da obra), cartorialista, repleto de parasitas que vivem pendurados, sedentos por um cargo com entrada pela janela, num mundo de apadrinhados que garante a continuidade de mandatos fisiologistas, num círculo vicioso que parece não ter fim.

Mérito? Ainda não sabemos o que é isso. Talvez, jamais saibamos.

Segue a notícia.

Para TSE, PEC dos Vereadores só vale para 2012

Por Filipe Coutinho

Um dia após a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 336/09 que criou sete mil vagas para os vereadores suplentes, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Carlos Britto, lembrou que o tribunal já tem resolução contrária à retroatividade da lei. “A resolução é clara. A data-limite para a aplicação da emenda para as próximas eleições municipais deve preceder o início do processo eleitoral, ou seja, o prazo final para realização das convenções partidárias”, disse.

A resolução do TSE é de 2007, após consulta feita pelo deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE). À época, a PEC ainda era discutida e tinha chances de ser aprovada antes das eleições do ano passado. Pelo entendimento do TSE, se aprovada, a Emenda Constitucional deveria valer somente para as eleições de 2012. “O TSE entende que o número de vagas não retroage. A emenda atual chegou tarde demais para entrar em vigor na corrente legislatura”, completou.

O ministro, contudo, preferiu não comentar sobre uma possível inconstitucionalidade da Emenda. Como a Ordem dos Advogados do Brasil anunciou que entrará com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, o presidente do TSE disse que não pode entrar no mérito da discussão. “Serei julgador e por isso não posso falar sobre o caso especifico.”

Para o presidente da OAB, Cezar Bitto, o aumento de vagas retroativo é um “precedente gravíssimo”. "Retroagir o que prevê a PEC para os atuais mandatos é jogar contra a democracia, pois uma de nossas grandes conquistas foi fixar o princípio da anterioridade no que se refere ao processo eleitoral. As regras eleitorais, por sua importância, devem ser conhecidas um anos antes dos pleitos. Jamais, em hipótese alguma, dois anos depois", afirmou Britto. Para a OAB, esse precedente dá margem para manobras no Congresso. “Estaríamos dando carta branca ao Congresso Nacional para aumentar o número de deputados, senadores, aumentar o tempo dos mandatos ao sabor da conveniência de plantão", disse Cezar Britto.

Retroatividade
Pela PEC 336/09, o número de vereadores do país passa dos atuais cerca de 52 mil para cerca de 59 mil. A PEC será promulgada em sessão solene do Congresso, que deve ocorrer nessa quinta-feira (24/9). A matéria teve 380 votos a favor, 29 contra e duas abstenções. No Plenário, um dos pontos polêmicos foi a validade retroativa para o pleito de 2008 da mudança do número de vereadores, que beneficiará os suplentes de uma eleição encerrada. Segundo o relator, quem determina as regras eleitorais "é esta casa e não o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)".

Além de alfinetar o TSE, o deputado quer que Carlos Britto e Gilmar Mendes, contrários à retroatividade, se declarem impedidos de julgar uma possível Ação Direta de Inconstitucionalidade. A polêmica da PEC conseguiu unir PT e DEM. O deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ) disse que a retroatividade é "absolutamente inconstitucional”, por alterar um resultado de eleições homologadas. Ele lamentou que as lideranças não tenham se mobilizado para adotar um destaque que retirasse do texto a retroatividade para o novo número de vereadores. José Carlos Aleluia (DEM-BA) também discursou contra a PEC. Segundo o deputado, a proposta "fere frontalmente a Constituição e não tem apoio da população, que prefere eleger diretamente os seus representantes".

Clique no link para ler a Resolução 22556 (Consulta 1421) do TSE - http://s.conjur.com.br/dl/resolucao-22556-tse.556.pdf.

Fonte: Conjur (www.conjur.com.br)

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Câmara dos Deputados aprova aumento do número de vereadores do País

Já disse isso aqui. Quando achamos que a situação está ruim, percebemos que ainda pode piorar. Não bastasse o gasto de dinheiro público com Câmaras Municipais praticamente inoperantes pelo Brasil afora, agora aumentam o número dos vereadores. É certo que houve previsão de redução das despesas, mas apenas na prática poderemos avaliar se efetivamente isso irá acontecer.
Haja assunto de interesse local para justificar três esferas legislativas em um país, quanto mais quando se adota um modelo de constituição federal como o nosso. Resultado: muitas e muitas leis municipais inconstitucionais.
Por outro lado, ainda teremos disputas judiciais ante a absurda tentativa de imposição de caráter retroativo ao aumento dos vereadores.
Bem, vamos à notícia, extraída do portal da Câmara dos Deputados na internet:

"O Plenário aprovou nesta terça-feira, em segundo turno, as PECs 336/09 e 379/09, ambas do Senado, que aumentam o número de vereadores do País dos atuais cerca de 52 mil para cerca de 59 mil. Além disso, ficam reduzidos os percentuais máximos de receita municipal que podem ser gastos com as câmaras. As PECs serão promulgadas em sessão solene do Congresso.

O texto mantém as 24 faixas de números de vereadores aprovadas pela Câmara no ano passado, mas muda a fórmula de cálculo das despesas. Em vez de percentuais relacionados a faixas de receita anual dos municípios, como pretendido pela Câmara, os senadores mantiveram a aplicação de percentuais com base em faixas de população, como determina a Constituição atualmente.

O substitutivo votado, do deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), não faz mudanças de mérito nas PECs, pois apenas reúne os dois textos em um só. A matéria teve 380 votos a favor, 29 contra e 2 abstenções.

Inconstitucionalidade
A exemplo do primeiro turno, as divergências em torno do texto se mantiveram nos debates. Um dos pontos polêmicos é a validade retroativa para o pleito de 2008 da mudança do número de vereadores, que beneficiará os suplentes de uma eleição encerrada. A redução dos repasses, entretanto, passará a valer a partir do ano seguinte à promulgação da PEC.

Segundo o relator, quem determina as regras eleitorais "é esta Casa e não o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)". Faria de Sá lamentou que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Britto e Gilmar Mendes tenham se manifestado sobre o tema e disse que eles têm de se declarar impedidos de julgar uma possível Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), pois opinaram antecipadamente contra a retroatividade das regras para as eleições de 2008.

Para o deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), a retroatividade é "absolutamente inconstitucional, por alterar um resultado de eleições homologadas". Ele lamentou que as lideranças não tenham se mobilizado para adotar um destaque que retirasse do texto a retroatividade para o novo número de vereadores.

José Carlos Aleluia (DEM-BA) também discursou contra a PEC. Segundo o deputado, a proposta "fere frontalmente a Constituição e não tem apoio da população, que prefere eleger diretamente os seus representantes".

A favor das PECs, o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), argumentou que a Câmara apenas restabeleceu o número de vagas compatível com a representatividade de cada município. "Não estamos nomeando nenhum vereador, pois as câmaras municipais têm plena autonomia para acatar e adequar a emenda constitucional", disse.

Divergência e acordo
No ano passado, o Senado aprovou apenas o aumento de vereadores, transformado na PEC 336/09. Quando essa proposta foi enviada à Câmara, o então presidente Arlindo Chinaglia (PT-SP) se recusou a promulgá-la. Ele argumentou que os senadores romperam o equilíbrio do texto aprovado antes pelos deputados (o aumento de vagas estava condicionado à diminuição de despesas).

A recusa levou o então presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho, a entrar com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) exigindo a promulgação parcial do texto já aprovado pelas duas Casas e que tratava apenas do aumento de vereadores.

Em março deste ano, houve um acordo que resolveu esse impasse: as novas mesas diretoras das duas Casas decidiram analisar a parte que trata da limitação de gastos em outra proposta e o Senado desistiu do mandado de segurança no STF. Por isso, foram aprovadas duas PECs nesta quarta-feira."

terça-feira, 22 de setembro de 2009

PGR impetra Adin no Supremo contra nova lei que tipifica crime de estupro

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ajuizou no STF (Supremo Tribunal Federal) uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra a nova previsão, da Lei 12.015/2009, que tipifica o crime de estupro.

Segundo o MPF (Ministério Público Federal), a vítima de estupro ou seu representante legal é que tem de oferecer a representação contra o estuprador. A lei manteve, em caráter excepcional, ação penal pública incondicionada, estritamente nos casos em que a vítima seja menor de dezoito anos ou pessoa vulnerável.

A nova redação, de acordo com a vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, que assina a ação, ofende os princípios da dignidade da pessoa humana e da proibição da proteção deficiente por parte do Estado. Por isso, pretende-se que o STF assente que, no estupro qualificado por morte ou lesão grave, a ação penal seja pública incondicionada.

A Lei 12.015/2009 alterou o Título VI da Parte Especial do Código Penal – bem como a Lei de Crimes Hediondos e o Estatuto da Criança e do Adolescente – para estabelecer nova disciplina a respeito dos agora designados crimes contra a dignidade sexual.

Segundo a PGR, a referida lei fundiu os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor em um mesmo tipo penal, sob o nome de estupro. Essa lei deu nova redação à parte do artigo 225 do Código Penal. Por isso, Deborah Duprat pede a impugnação do artigo e a concessão de medida cautelar.

Para a vice-procuradora-geral da República, a nova lei representa, em termos gerais, um avanço, mas houve um grave retrocesso em relação aos crimes de estupro dos quais resulte lesão corporal grave ou morte, “visto que a persecução penal nesses casos, antes incondicionada, passou a depender de representação da vítima ou de seu representante legal”.

Deborah Duprat destaca que ocorre a falta de razoabilidade quando se constata que, nos demais crimes definidos na legislação penal, cujos resultados são lesão grave ou morte – ou nos próprios crimes de homicídio e de lesão corporal grave, inclusive culposos –, a ação penal é sempre pública incondicionada.

“O tratamento diferenciado no delito de estupro qualificado não se sustenta, visto que a conduta antecedente não tem força para atenuar o enorme interesse público decorrente do resultado qualificado”, afirma Débora Duprat.

A vice-procuradora-geral da República afirma que a nova regra, por ser mais favorável ao réu, retroage em benefício daqueles que já respondiam por crimes de estupro e atentado violento ao pudor realizados na forma qualificada.

“Portanto, os processos relativos a esses crimes, atualmente em tramitação, passaram a depender da anuência da vítima ou de seu representante legal. O direito de representação está regulado no art. 38 do Código de Processo Penal e no art. 103 do Código Penal, e deve ser exercitado, sob pena de decadência, no prazo de seis meses, contado do dia em que a vítima ou seu representante legal veio a saber quem é o autor do crime”, conclui.

A vice-procurador-geral aponta que os processos atualmente em curso apresentam, por óbvio, a identificação dos acusados. “Em suma, país afora, promotores de Justiça terão que sair à cata das vítimas ou de seus representantes legais, no sentido de obter, em tempo hábil, a representação. É fácil perceber que, ainda que se empregue um esforço enorme, os acusados da prática de tão grave injusto penal serão certamente beneficiados pelos efeitos da decadência”.

A vice-procuradora-geral concluiu: “Nesse sentido é que se formula pedido de concessão de medida liminar, para efeito de se obter, até o desfecho desta ação, a suspensão da eficácia, sem redução de texto, da parte do caput do art. 225 do Código Penal, na redação dada pela Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009, que estabelece a exigência de ação penal pública condicionada nos crimes de estupro qualificado por lesão corporal grave ou morte”.

O relator da ação no STF é ministro Joaquim Barbosa.

Fonte: Última Instância

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A nova lei orgânica da Defensoria Pública

Senado aprova, com emendas, projeto que altera as atribuições da Defensoria Pública

O projeto de lei que altera a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública foi aprovado pelo Senado Federal, nesta quarta-feira, 16 de setembro, com emendas apresentadas pelos parlamentares a pedido do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG), Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) e Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Enviada ao Congresso pelo Poder Executivo, a matéria tem como objetivo reestruturar o órgão da Justiça encarregado de defender, gratuitamente, os cidadãos carentes ou de menor poder aquisitivo.

Como já havia sido aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto (PLC 137/09) segue agora à sanção do presidente da República.

A proposição foi aprovada com emendas de redação que, na verdade, influem no mérito, como a que restringe as ações coletivas da Defensoria Pública apenas aos casos que digam respeito a direitos de grupos comprovadamente hipossuficientes.

Outra emenda também aprovada estabelece que a Defensoria Pública somente poderá ser exercida por defensores de carreira, mas excluiu do texto original a indelegabilidade das funções institucionais do órgão, permitindo outras formas dos juridicamente necessitados.

De acordo com o relator da matéria, senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), ao regulamentar a autonomia, inclusive orçamentária, da Defensoria Pública, o projeto permite a autogestão da instituição, como a promoção de concursos e a nomeação de defensores e funcionários com mais rapidez. Ele observou que o órgão é o menos estruturado da Justiça brasileira e que há falta de defensores em cerca de 60% dos municípios do país. “Os principais beneficiados pela proposta serão aqueles que ganham até três salários mínimos, ou seja, cerca de 80% da população”, declarou Valadares.

Para reiterar o foco na população carente, a proposta determina que a atuação do órgão será descentralizada, priorizando as regiões "com maiores índices de exclusão e adensamento populacional". A defesa dos direitos fundamentais deverá se dar de forma especial em relação a crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiências e mulheres vítimas de violência doméstica ou familiar.

Além disso, entre as novas funções da Defensoria Pública está a de incentivar a solução extrajudicial dos litígios - ou seja, por meio de mediação, conciliação e outras formas de composição entre as partes. Será igualmente função da Defensoria "promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico".

A grande polêmica do projeto foi a possível sobreposição de atribuições entre o Ministério Público e a Defensoria Pública.

Voto contrário
Para o senador Wellington Salgado (PMDB-MG), a aprovação do projeto de lei é preocupante, pois vai gerar uma sobreposição de poderes da Defensoria Pública com o Ministério Público,que poderão entrar em conflito de atuação em várias situações. “Não estou advogando contra a Defensoria Pública, pois ela defende os hipossuficientes, mas já temos o Ministério Público para atuar em algumas dessas ações. Essa sobreposição de poderes poderá ser conflitante. Acho que estamos criando um outro Ministério Público, mas sem mudança constitucional”, argumentou Salgado.

Ele também mostrou preocupação com o aumento de gastos dos estados, que poderiam, pelo texto, ser obrigados a abrir defensorias em cada um dos municípios.
Já para o líder do PDT, senador Osmar Dias (PR), a relevância da Defensoria Pública é inegável para aqueles que não podem pagar por um advogado. Mas, observou, a Constituição Federal tem uma definição explícita para a atuação da Defensoria Pública, e o projeto em votação inclui entre essas atividades a defesa do direito difuso, colocando para a Defensoria a assunção de funções que são do Ministério Público.

“O que quero dizer com isso é que, para cumprir melhor o papel constitucional, os defensores têm que ficar com seu papel constitucional. No momento em que se ampliam as prerrogativas da Defensoria, o que veremos será a diminuição da capacidade de atender os pobres e que dependem da Defensoria”, avaliou Osmar Dias.

Em aparte, o senador Valter Pereira (PMDB-MS) garantiu que não haverá choque de competência entre o Ministério Público e as novas atribuições da Defensoria Pública. Observou que o presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), senador Demóstenes Torres (DEM-GO), é integrante do Ministério Público de Goiás e acompanhou com atenção o PLC 137/09 - complementar e não permitiria invasão de competência por parte da Defensoria.

Ação Civil Pública
O relator da matéria, Antônio Carlos Valadares, explicou que desde 2007 as Defensorias Públicas podem propor ação civil pública para defender os interesses dos mais pobres. Lembrou, no entanto, que a constitucionalidade da propositura da ação civil pública também pelas defensorias públicas - além do Ministério Público - deverá ser julgada em breve pelo Supremo Tribunal Federal, que deverá decidir em que casos os dois órgãos podem atuar.

“Tenho certeza absoluta que, em defesa dos mais pobres, o Supremo vai confirmar que a Defensoria Pública pode defender os hipossuficientes nos seus direitos, por meio da ação civil pública”, garantiu Antônio Carlos Valadares.

No entanto, segundo o CNPG e a Conamp, há várias iniciativas processuais da Defensoria Pública sobrepostas às funções do Ministério Público, o que vem gerando insegurança jurídica. Foram apresentadas emendas com melhor compreensão das atribuições de ambas as instituições. Apenas três delas foram acolhidas pelo Senado.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Direito à saúde vs. direito à liberdade

Peço licença para reproduzir texto publicado no sítio Última Instância (www.ultimainstancia.com.br), da lavra do Dr. Pedro Estavam Serrano. O artigo em questão aborda a proliferação de leis antifumo, analisando serenamente a questão da ingerência do Estado na esfera privada, bem como a ponderação entre os interesses conflitantes (direito à saúde vs. direito à liberdade). O autor procura fugir das verdades absolutas, fazendo um alerta para o perigo da desmesurada intromissão estatal em assuntos particulares, cuja experiência já foi dolorosamente experimentada no Séc. XX, nos regimes totalitários de diversas ideologias, e que foram previstos de maneira espetacular nos romances de Orwell (1984) e Huxley (Admirável Mundo Novo).

Segue o texto.

Lei antifumo: direito à saúde versus direito à liberdade
Pedro Estevam Serrano - 17/09/2009


A Assembleia Legislativa do Paraná aprovou nesta semana lei proibitiva ao fumo em locais fechados, a exemplo do que já ocorrera em São Paulo e no Rio de Janeiro. A legislação começa a ganhar contornos nacionais, já que Minas Gerais, Espírito Santo, Salvador, Goiânia e Belém estão próximos de aprovarem proibições no mesmo sentido. No dia 9 de abril, neste espaço, abordei a polêmica, mas volto ao assunto, diante do preocupante que vicejar no país das bases para a proliferação de leis de rigor extremo como essas.

Imprescindível destacar, primeiramente, que não é cabível fazer a defesa ou apologia do cigarro. Inegável que o cigarro seja uma causa evitável de morte em todo o mundo —embora a poluição do ar seja igualmente evitável, mas não se tomem medidas mais eficazes para combatê-la. Estamos tratando de droga nociva à saúde, por isso, não se pode defender o fumo em ambientes fechados. Mas isso não autoriza o Estado, por meio dos Legislativos estaduais, a impor a restrição ao fumo da forma como tem feito.

E por que? Há dois valores fundamentais previstos em nossa Constituição que se encontram em tensão permanente no caso de legislações desse tipo. Um desses valores é o da preservação da saúde pública; o outro valor é o da liberdade do ser humano, que é o valor que nos preserva do facismo e dos mecanismos mais intensos de apropriação da subjetividade que são próprios do capital contemporâneo. No conflito entre os dois valores, não há dúvidas de que a preservação da saúde deve prevalecer em relação à liberdade, mas no limite do necessário para preservá-la. Ou seja, a pretexto de garantir a saúde, não se pode extinguir o direito à liberdade.

Historicamente, as alternativas de Estado totalitário que tivemos como experiência no século 20, qualquer que tenha sido a posição política e ideológica adotada, têm em comum a pregação ao ser humano de uma forma padrão de viver e alcançar a felicidade. Em contrapartida, toda reflexão filosófica que realizamos como Ocidente tem como pressuposto justamente o contrário: não há como dizer a um cidadão qual a forma mais correta de fazê-lo atingir a felicidade e a alegria, porque cada indivíduo tem em sua subjetividade ideosincrasias que os levam a encontrar a felicidade em caminhos diversos dos demais indivíduos.

Mas todos nós sabemos, e isso é decisivo, que não há como chegar à felicidade sem liberdade. Não é uma condição suficiente para o “ser feliz” haver liberdade, mas é uma condição imprescindível, necessária. Nesse sentido, as pessoas precisam aprender a ter condutas adequadas porque valoram essas condutas, não porque lhes é imposto. Por isso, toda vez que uma conduta é imposta sem fundamento no direito de terceiro a um indivíduo, nós, como Humanidade, perdemos um pouco da chance de sermos felizes.

A preservação da liberdade é um valor tão fundamental que não pode ser secundarizado na discussão sobre a lei antifumo. No caso do cigarro, o valor da liberdade do ser humano está, de um lado, expresso no direito que o não fumante tem de não ter sua integridade física perturbada pela ação de um terceiro, mas, de outro lado, está presente na necessidade de o fumante ter preservado um mínimo de liberdade para fazer uso do cigarro.

Não é justo que uma pessoa acenda um cigarro e bafore sobre um não fumante, incomodando-o, como acontecia há meses atrás em casas noturnas. Lembremo-nos: o limite da liberdade é não poder atingir direitos de terceiros em seu exercício. Mas se a conduta de fumar só atinge aquele que a pratica, o Estado não pode interferir, porque se trata exclusivamente da álea protegida pelo direito fundamental a livre gestão corporal, ou seja, do direito à liberdade de gerir o corpo da forma que melhor lhe aprouver. Não há, assim, instituição ou norma infra-constitucional que possam dizer como o cidadão deve gerir seu corpo.

Ora, é evidente que as leis antifumo que vêm sendo aprovadas Brasil afora são exageradas e ofendem o direito à liberdade dos fumantes, rompendo com a necessária ponderação entre princípios que conformam a regra a ser aplicada. Em algumas situações, permitem que essas pessoas sejam submetidas a humilhações e estigmatização, como se estivessem sendo punidas por anos de desrespeito à saúde pública e à liberdade dos não fumantes. Há um caráter higienista nessas leis, que tende transformar a produção científica sobre a nocividade do cigarro em uma proposição quase que religiosa e absoluta, não condizente com o Estado Democrático de Direito.

As legislações que visam regular o uso do cigarro devem encontrar um limite no qual se preserve a saúde, mas também a liberdade do fumante. Em outras palavras, devem encontrar o ponto de equilíbrio e ponderação entre esses dois valores fundamentais. Por exemplo, permitir o fumo em ambientes coletivos aonde há segregação física e ambiental de espaço, seja por meio de construção de alvenaria ou mesmo por vidro, de forma que o fumante e o não fumante estejam separados um do outro. É bom que se diga: não basta distribuir as mesas, estabelecendo uma fronteira imaginária entre a área de fumantes e a de não fumantes como antes acontecia, mas é preciso criar uma barreira física e ambiental à fumaça.

Ao meu ver, é uma saída razoável para o problema, embora não exclua o combate ao fumo em campanhas de conscientização e educação, pois o direito à informação é também fundamental e previsto em nossa Constituição. Qualquer que seja o resultado desse debate, não se pode esquecer que, por meio da propaganda, a indústria tabagista provocou males à sociedade e deve indenizá-la por isso, porque as pessoas têm o direito de não serem levadas pela máquina de produção de subjetividade do capital a cometer atos contra si próprias.

A noção de aperfeiçoamento das leis e da sociedade deve perdurar sempre, motivando, no caso das leis antifumo, alterações no texto legal para melhor acomodação dos direitos que se encontram em confronto. E, principalmente, para que afastemos o perigoso e implícito caráter higienista que tende a suprimir e a reprimir de forma terminativa o direito das pessoas de gerir o próprio corpo.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Lula convida Toffoli para o STF

Parem as máquinas. Excepcionalmente, devido à gravidade da notícia, nossa Confraria terá duas postagens hoje (ou mais, dependendo dos acontecimentos).

É que Lula, como já suspeitávamos, convidará Toffoli para o STF. Se a sabatina no Senado fosse real...

Notícia da Folha:

Lula convida Toffoli para vaga de ministro no Supremo

Por Marcio Aith, na Folha.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva convidou o advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, para assumir uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal). Toffoli substituiria o ex-ministro Carlos Alberto Direito, que morreu no último dia 1º.
Será a oitava indicação de Lula para a corte. O convite foi feito após uma reunião entre os dois pela manhã. O anúncio do convite pode ser feito hoje à tarde ou na manhã de amanhã –quando o substituto de Toffoli for escolhido para a AGU (Advocacia Geral da União). Estão sendo cogitados para a AGU tanto nomes de fora como de dentro do governo.

O anúncio do convite a Toffoli será feito junto com a indicação do ministro José Múcio (Relações Institucionais) para o TCU (Tribunal de Contas da União). O nome mais cotado para substituir Múcio na pasta é o de Alexandre Padilha. Mas até esse momento ainda não havia sido definido.Padilha é subchefe de Assuntos Federativos.

Nomeações de Lula

Até o final de seu mandato, Lula terá ainda a oportunidade de nomear mais um integrante da Suprema Corte, totalizando nove ministros. Em agosto de 2010, o ministro Eros Grau completará 70 anos de idade e será compulsoriamente aposentado.

Lula foi responsável pela indicação dos ministros Antonio Cezar Peluso, Carlos Ayres Britto, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Enrique Ricardo Lewandowski, Eros Roberto Grau e Joaquim Barbosa.

No governo Fernando Henrique foram indicados os ministros Gilmar Mendes — atual presidente do STF– e Ellen Gracie Northfleet. O ex-presidente Fernando Collor de Mello nomeou o ministro Marco Aurélio Mello; enquanto o ex-presidente José Sarney indicou Celso de Mello, o mais antigo da atual composição.

CNJ investiga juiz

Inacreditável, mas isso está sendo analisado pelo CNJ. O magistrado pode até ter tal opinião, mas que use argumentos jurídicos. Basear-se em achismos e machismos para deixar de aplicar uma lei é um pouco demais. Afirmar que haveria inconstitucionalidade por quebra da isonomia, tudo bem, é uma (discutível) tese, mas é aceitável. Mas dizer que o mundo é masculino e que a lei é diabólica...

Segue a notícia.

CNJ investiga juiz que criticou Lei Maria da Penha

Por Filipe Coutinho

O Conselho Nacional de Justiça decidiu, nesta terça-feira (15/9), investigar o juiz Edilson Rumbelsperger Rodrigues, conhecido por ter chamado a Lei Maria da Penha de “regras diabólicas” e ter dito que as “desgraças humanas começaram por causa da mulher”. Por fim, Rodrigues ainda classificou a Lei Maria da Penha de "monstrengo tinhoso".

O CNJ abriu Processo Administrativo Disciplinar depois que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais arquivou o caso. O processo ainda não foi analisado no mérito, mas o relator Marcelo Neves adiantou que “trata-se de uma denúncia grave de discriminação à mulher”. A decisão de abrir a processo disciplinar foi unânime.

O conselheiro disse, ainda, que o caso deve ser julgado em breve. “O processo já está nem instruído”, disse Neves. Segundo o relator, o juiz está passível de sofrer as punições do artigo 41 da Lei Orgânica da Magistratura. Pela lei, o magistrado que utilizar linguagem imprópria poderá ser advertido, censurado e até mesmo demitido. Na sessão desta terça-feira, os conselheiros do CNJ chegaram a discutir a possibilidade afastar o juiz preventivamente. O afastamento, contudo, será discutido somente no julgamento do mérito.

O CNJ analisará se as declarações de Rodrigues são ofensivas ao público feminino. Em uma sentença, por exemplo, o juiz escreveu que o “mundo é masculino”. Além disso, chamou a Lei Maria da Penha de inconstitucional e se recusou a aplicá-la. Os conselheiros discutirão se os termos usados pelo juiz foram ofensivos. O CNJ, contudo, não poderá discutir o mérito da sentença – mesmo que decidam que o texto foi agressivo à honra das mulheres.

Por ser um órgão de controle administrativo, o CNJ não pode tratar das questões criminais das declarações do juiz ou em relação aos processos sentenciados por Rodrigues. Mesmo assim, o conselheiro Marcelo Neves disse que o caso do juiz de Sete Lagoas é análogo a racismo — considerado pela lei crime inafiançável. “É uma situação grave de preconceito, análoga à discriminação racial. Só que nesse caso é uma discriminação de gênero”, disse o relator.

As declarações do juiz Edilson Rumbelsperger Rodrigues foram publicadas pelo jornal Folha de S.Paulo, em 2007. Em uma sentença, o juiz escreveu que o controle sobre a violência contra a mulher tornará o homem um tolo. "Para não se ver eventualmente envolvido nas armadilhas dessa lei absurda, o homem terá de se manter tolo, mole, no sentido de se ver na contingência de ter de ceder facilmente às pressões", escreveu o juiz.

Nas decisões, o juiz também demonstrou receio com o futuro da família. "A vingar esse conjunto de regras diabólicas, a família estará em perigo, como inclusive já está: desfacelada, os filhos sem regras, porque sem pais; o homem subjugado."

Fonte: Conjur

domingo, 13 de setembro de 2009

Aplicação prática da Súmula Vinculante nº 11 do STF - Parte II

Segue entrevista extraída hoje do site www.setelagoas.com.br.
É impressionante como a grande mídia não deu a repercussão merecida ao lamentável incidente ocorrido na comarca de Sete Lagoas/MG. Registro que o fato não ocorreu em uma cidadezinha do interior, esquecida, posto que Sete Lagoas é comarca de entrância especial, tal como Belo Horizonte. Há algum motivo para o silêncio?
Eis o texto:

A rotina no Fórum de Sete Lagoas nesta quarta-feira ainda era de muita tensão e medo. Nos corredores o principal assunto era o tiroteio de terça-feira, inclusive foi adiado julgamento pelo Tribunal de Júri marcado para esta quarta-feira, pelo juiz Edilson Rumbelsperger Rodrigues.

Entrevista com o juiz Edilson Rumbelsperger Rodrigues- Titular da 1ª Vara Criminal e da Infância e da Juventude da Comarca

Pergunta: Como analisa o ocorrido na terça-feira, em seu gabinete durante audiência com presos?

Resposta: Foi um episódio lamentável, dramático, traumatizante. Sem querer hiperbolisar esse ocorrido, eu acho que a segurança dos fóruns do Brasil tem neste episódio um divisor de águas em minha opinião, senão tiver é um erro, um equívoco. Os Fóruns do interior são absolutamente vulneráveis, nós não temos uma segurança precária, não temos segurança nenhuma. Transitam e entram no fórum quem quiser, não existe fiscalização, verificação se está ou não armado. Ficam os juízes, promotores, defensores públicos e o público em geral completamente refém de episódios como este. Temos muitos colegas nossos que ficam até tarde trabalhando, sem a menor segurança.

Entrevista: A que o Sr atribui esta falta de segurança nos fóruns?

Resposta. Eu acho que os magistrados são tão importantes, quanto qualquer ministro dos tribunais superiores e por isso não podemos ser tratado descartavelmente. Ainda que a cúpula do sistema judiciário não nos tenha como juízes descartáveis, o fato é que nós juízes do interior nos sentimos assim. Se um juiz por um excesso de trabalho sofrer um infarto no gabinete, ou se for atingido por uma bala de um bandido qualquer, o que a gente sente é que o tribunal respectivo coloque outro no lugar e a vida continua. Não há como acontecer um fato como este de terça-feira, e a gente virem trabalhar no dia seguinte como se nada tivesse acontecido. Eu, minha secretária, a defensora pública, estamos vivos porque Deus preservou as nossas vidas, porque aquele agente penitenciário foi um herói, detetive Aguinaldo foi um herói, porque a tragédia poderia ter sido muito maior. Foram três a quatro tiros na escadaria no fórum que poderia ter atingindo qualquer pessoa, até uma criança. Não dá para esperar amanhã, é urgente que se tome medidas pelo menos preliminares de segurança dos fóruns de interior antes que ocorra uma tragédia maior.



Entrevista: O que precisa ser feito para reverter essa situação de descaso?

Resposta. È preciso definitivamente, o sistema judiciário observar e cuidar de seus “filhos”, que são os juízes de primeiro grau, que são os soldados de frente que realmente prestam diretamente a jurisdição. È preciso terminar com esse discurso pelego de que pode contar conosco, nós estamos à disposição do que precisar, mas na verdade nada de concreto e efetivo é feito para dar a nós juízes o suporte de segurança interna que todos nós precisamos. Hoje, com este episódio não é mais o juiz que se sente desprotegido, não é mais o promotor, advogados, defensores, serventuários da justiça, agora é o povo, o jurisdicionado que tem medo de entrar no Fórum, porque não sabe se voltará vivo.


Pergunta. De imediato, o que precisa ser feito em termos de segurança?

È preciso que a cúpula coloque a mão na consciência e faça um investimento mínimo que seja no aspecto físico dos fóruns do interior, no Brasil inteiro. Ainda que, por questão de orçamento não se possa tomar providência de segurança em todos, mas que pelo menos faça naquelas comarcas mais vulneráveis. No caso de Minas Gerais, por exemplo : Contagem, Betim, Ribeirão das Neves, Sete Lagoas, Montes Claros, Uberlândia, Juiz de Fora, que são comarcas maiores, cujos delinqüentes tem um diferencial de personalidade de característica criminológica, pelo menos que se invista o mínimo de segurança destes fóruns e assim no resto do Brasil. Às vezes a gente fica indignado que podem se chegar na cúpula do poder e se esquecer das origens, e começar dar ordens de cima para baixo, sem verificar que se aquele humilde juiz de primeiro grau de uma cidade do interior está em condições mínimas, humanas de trabalho e de segurança para cumprir as ordens superiores.

Pergunta. A grande pergunta. A questão das algemas que são retiradas na hora da audiência, já seria uma medida de segurança se não forem tiradas. Ou a lei não permite?

Resposta: Há uma ordem que pode ser acatada pelo juiz, mas há uma orientação pelo menos de garantir ao preso a participação da audiência ou mesmo no tribunal de júri sem algemas. È bem verdade que o juiz pode decidir o contrário mantendo o réu algemado. Essa ordem de cima faculta a permanência ou não da algema, todavia essa ordem tem uma conotação e é facilmente perceptível que a cúpula está preocupada com os direitos humanos dos presos. Entendo que direitos não só podem , como devem ser respeitados por todas as autoridades, mas quando a cúpula baixa ordem para que se cuide dos direitos fundamentais do preso, mas quando ela fizer isso que também veja o lado das autoridades públicas que também são cidadãos, seres humanos que também tem razão e emoções e direitos humanos também a serem preservados. Vamos deixar de um discurso politicamente correto, para fazer o que deve ser feito. Se o direito humano dos presos, dos condenados da justiça tem de ser respeitados, e modéstia parte, eu não sou o exemplo, mas tenho muito cuidado, os respeito, sou juiz bastante rigoroso, mas respeita e visita seus presos e sempre me coloco a disposição deles. Mas é preciso que o sistema judiciário dê a nós a garantia também de nossos direitos fundamentais de magistrados e cidadãos. Nós juízes do interior temos a sensação que somos absolutamente descartáveis para a cúpula do poder.

Pergunta.O que muda a partir de agora nas audiências com réus presos?

Resposta; Ta muito recente o ocorrido, mas certamente alguma coisa tem que mudar. Uma coisa é certa, é impossível fazer uma audiência nesta quinta-feira como se nada tivesse acontecido. Alguma coisa vai mudar. Nós já reunimos na quarta-feira para discutir o assunto. Para ser ter uma idéia, no Tribunal do Júri por exemplo não há nada absolutamente em termos de segurança judiciária do que uma sessão do Tribunal do Júri. Repito não é só o magistrado, o promotor de justiça, mas o advogado, o serventuário , os jurados, mas principalmente o público que assiste ao julgamento. Bala perdida não escolhe corpo, não escolhe gente, pode ser atingido um juiz, mas também pode ser uma criança que está no colo da mãe assistindo o julgamento. Espero em Deus que o sistema judiciário não espere acontecer uma tragédia pior do que esta, de repercussão internacional para então fechar a porta e fazer o que tem que ser feito, medidas preventivas devem ser tomadas imediatamente.

Pergunta: Deseja acrescentar mais alguma coisa, Dr. Edilson?

Os fóruns juntamente com seus juízes e serventuários estão vulnerabilíssimos e a mercê de certos delinqüentes experientes da vida criminal. Enfim, estamos todos desprotegidos, vulneráveis as ações de delinqüentes perigosos.


OS NEGRITOS SÃO MEUS.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

CNJ suspende toque de recolher em Patos de Minas

A questão já foi tratada por nosso confrade Sérgio. Mas há fato novo: a suspensão do toque de recolher pelo CNJ.

Segue a notícia.

CNJ suspende toque de recolher em Patos de Minas

Órgão deve reconhecer ilegalidade de outras portarias

Por maioria de votos, o plenário do Conselho Nacional de Justiça aprovou nesta quarta-feira (9/9) a suspensão do chamado “toque de recolher”, das 23h às 6h, para menores de idade no município mineiro de Patos de Minas.

Os conselheiros consideraram ilegal portaria do juiz da Vara de Infância e Juventude daquela comarca, Joamar Gomes Pereira Nunes.

No julgamento de Procedimento de Controle Administrativo proposto pelo Ministério Público de Minas Gerais (*), prevaleceu o voto divergente do conselheiro Jorge Hélio Chaves de Oliveira, contrário ao voto do relator, Ives Gandra Martins Filho .

Segundo informa a assessoria de imprensa do CNJ, Jorge Hélio argumentou que a portaria é ilegal, já que o juiz de Patos de Minas não tem competência para editar norma com força de lei. Segundo ele, apesar de o artigo 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) dar ao magistrado poder para disciplinar a entrada e permanência dos menores em locais públicos, o parágrafo 2º limita esse poder, ao determinar que a medida não pode ter caráter geral e deve ser fundamentada, caso a caso.

“A portaria, como ato administrativo deve se referir a questões específicas, pontuais e concretas. E não, como neste caso, atingir um público generalizado”, argumenta Jorge Hélio. De acordo com o conselheiro, a portaria restringe o direito de ir e vir dos adolescentes. ”Em nome de uma proteção à criança e ao adolescente, alguns juízes estão extrapolando suas funções”, acrescenta.

Segundo o conselheiro Jorge Hélio, o conselho estuda editar uma resolução que determine a ilegalidade de portarias assinadas pelos juízos. “A tendência é que, de agora em diante, essas portarias sejam consideras ilegais”, explicou o conselheiro.

Em agosto, Ives Gandra Martins Filho havia negado pedido de liminar que questionava a limitação de horário para a circulação de adolescentes em Patos de Minas (MG) e em outros dois municípios: Ilha Solteira (SP) e Santo Estevão (BA). Em junho, o conselheiro Marcelo Nobre também negou o pedido de liminar para suspensão da Portaria 001/2009 da 3ª Vara Cível da Comarca de Nova Andradina (MS).

Fonte: Blog do Fred - Folha Online

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Esfera privada e garantia da vida pelo Estado

O tema já é corrente na esfera dos direitos fundamentais: são as questões envolvendo transfusões de sangue e os praticantes da denominação Testemunhas de Jeová. Em regra, os tribunais dão prevalência ao direito à vida, determinando que sejam feitas as transfusões de sangue, em detrimento da liberdade religiosa (principalmente em questões envolvendo crianças).

O caso abaixo, porém, traz uma novidade. Trata-se de um senhor de 81 anos, em perfeitas condições psicológicas, que afirmou não querer se submeter ao tratamento indicado (transfusão de sangue). Aí entra mais um vetor: a esfera privada e a questão da incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas. Há um "embate" entre a garantia da vida pelo Estado e a liberdade de crença, ancorada no direito à autodeterminação, livre da ingerência do Estado.

O tema é polêmico e confesso que não é fácil tomar posição por esse ou aquele entendimento. Mas a decisão é interessante pelo ineditismo. Em doutrina, tal entendimento já vinha sendo defendido pelo prof. Gustavo Tepedino, da UERJ.

Segue o texto.

Justiça nega ordem para transfusão de sangue em paciente testemunha de Jeová
Da Redação

20/07/2009 - 15h48


O TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) negou o pedido de autorização judicial feito pela Casa de Saúde e Maternidade Joari para realizar uma transfusão de sangue no paciente José Ferreira, de 81 anos, que por ser testemunha de Jeová não quer se submeter ao procedimento, mesmo ciente dos riscos que corre.

De acordo com os autos, o paciente está lúcido e preferiu seguir com sua fé, conforme atesta a certidão apresentada por seu advogado, pois sua religião não permite que seus adeptos recebam sangue de outras pessoas. Entretanto, José Ferreira apresenta quadro clínico debilitado, com insuficiência renal, hemorragia digestiva e graves problemas nas artérias.

Quanto ao papel desempenhado pelo médico que cuida do caso, o juiz André Nicolitt afirmou que “ao proceder à intervenção no intuito de salvar a vida, o médico age em cumprimento ao seu dever ético profissional. Por outro lado, se não age em respeito à liberdade do paciente, sua omissão está respaldada pela Constituição”.

Segundo o magistrado, a liberdade do idoso deve ser respeitada e, por isso, o Estado não deve intervir. Ele entende que diminuir o sofrimento do idoso é manter viva a sua crença no paraíso e afirma que, mesmo não partilhando da crença religiosa do paciente, os princípios de justiça e a ordem constitucional conduziram a decisão, ainda que esbarrando em suas convicções intuitivas, culturais e religiosas.

Fonte: Conjur

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Os hipossuficientes e a taxa de inscrição em concursos públicos

Segue pequeno artigo jurídico de minha autoria, publicado na revista MPMG Jurídico, n. 5, editada pela Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais:

1. Introdução


A Constituição Federal de 1988, no artigo 37, inciso I, estabelece que “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei”. Por seu turno, o inciso II do mesmo artigo de nossa Magna Carta dispõe que “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”.

Como se percebe, nosso ordenamento constitucional contempla os princípios do amplo acesso aos cargos públicos e da obrigatoriedade do concurso público para a investidura em cargo ou emprego público, demonstrando que a todos se mostra possível a participação no concurso público, desde que restem preenchidos os requisitos legais.

Na lição sempre apurada do preclaro Alexandre de Moraes, existe “um verdadeiro direito de acesso aos cargos, empregos e funções públicas, sendo o cidadão e o estrangeiro, na forma da lei, verdadeiros agentes do poder, no sentido de ampla possibilidade de participação na administração pública”.

No mesmo sentido temos o posicionamento do ilustre Prof. José Afonso da Silva:

“A Constituição estatui que os cargos, empregos e funções são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei (art. 37, I, cf. EC-19/98). Há aí duas normas e dupla referência à lei. A primeira norma, que reconhece a acessibilidade a todos os brasileiros, é de eficácia contida e aplicabilidade imediata, de sorte que a lei a ela referida não cria o direito previsto, antes o restringe ao prever requisitos para seu exercício. Essa lei está limitada pela própria regra constitucional, de tal forma que os requisitos nela fixados não poderão importar em discriminação de qualquer espécie ou impedir a correta observância do princípio da acessibilidade de todos ao exercício de função administrativa”.

Efetivamente, nosso ordenamento constitucional é expresso ao delinear os parâmetros a serem seguidos pelo legislador infraconstitucional quanto ao acesso aos cargos e empregos públicos, estando este impedido de prever requisitos discriminatórios que venham restringir o acesso ao serviço público, à exceção de situações específicas inerentes a determinadas atividades, como ocorre na limitação de idade para determinados cargos públicos, lícita desde que possa ser justificada pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido, consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal consubstanciado na Súmula nº 683.

2. Da taxa de inscrição como possível restrição à participação no certame

Cumpre-nos analisar, pois, a questão referente à cobrança de taxas de inscrição para a participação em concursos para provimento de cargos e empregos públicos. Por certo, a cobrança da taxa de inscrição, por si só, não macula o princípio da ampla acessibilidade aos cargos e empregos públicos, ou mesmo o princípio da isonomia. Ocorre que, em determinadas situações, a exigência do pagamento da taxa acaba inviabilizando a participação de vários candidatos, como ocorre com os hipossuficientes e desempregados em geral.

Se o concurso público visa a captação para o serviço público dos melhores profissionais, não nos parece coerente a diminuição do número de candidatos por conta de sua impossibilidade em arcar com o pagamento da taxa de inscrição. Haveria, in casu, ofensa ao princípio da ampla acessibilidade e também da isonomia, posto que, nas palavras de Hely Lopes Meirelles, “a igualdade de todos os brasileiros perante a lei veda exigências meramente discriminatórias, como as relativas ao lugar de nascimento, condições pessoais de fortuna, família, privilégios de classe ou qualquer outra qualificação pessoal”. (grifo meu)

Destarte, a única forma de conciliarmos os princípios do amplo acesso aos cargos e empregos públicos e da isonomia com a exigência do pagamento de taxa de inscrição é a previsão, no edital do concurso público, da isenção do pagamento da taxa para os candidatos hipossuficientes, que comprovarem tal condição no ato da inscrição.

Em Minas Gerais, a Lei nº 13.392/99 estabelece que nos concursos públicos do Estado serão isentos do pagamento da taxa de inscrição os candidatos que comprovarem a condição de desempregados. Referida lei deve servir de parâmetro aos municípios, adotando estes o mesmo posicionamento em relação aos concursos municipais, sob pena de flagrante ofensa aos princípios constitucionais acima citados e imediata atuação do Ministério Público, seja por meio da expedição de recomendação, seja com o uso da ação civil pública.

O Tribunal de Justiça mineiro, em sede de agravo de instrumento interposto pelo Ministério Público Estadual em ação civil pública originária da comarca de Betim, autos nº 1.0027.04.005110-7/001(1), acórdão datado de 23/09/2004, acolheu o posicionamento aqui defendido, em acórdão unânime relatado pelo Desembargador Moreira Diniz, cujo voto transcrevo em parte, a título de ilustração:

“A plausibilidade do direito restou constatada na espécie, através do documento de fl. 20 e do edital de fls. 21/29, os quais demonstram a exigibilidade do pagamento da taxa de inscrição, do valor de R$20,00, o que pode, a princípio, caracterizar lesão ao princípio da isonomia e do amplo acesso aos cargos públicos, conforme manifestado pelo agravante. Tal plausibilidade é clara, na medida em que é fundamento básico de um concurso público o respeito às condições de cada candidato, e a garantia de acesso a todos, indistintamente, adotando a Administração pública as medidas cabíveis para proteger e fazer valer tais princípios.”

3. Conclusão

Compete, pois, ao Ministério Público, na forma do artigo 129, inciso II da Constituição Federal, assegurar que os direitos da população sejam respeitados, impedindo que grande parte dela, carente de recursos financeiros, seja discriminada e alijada da possibilidade de concorrer a empregos ou cargos públicos pelo simples fato de não disporem de recursos para o pagamento da taxa de inscrição do concurso.


4. Bibliografia

1 - Moraes, Alexandre de – Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, São Paulo: Atlas, 2002, p. 822.
2 - Silva, José Afonso da – Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 663.
3 - Meirelles, Hely Lopes – Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1989, p. 373.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O ônus da prova em ações civis públicas ambientais

O Superior Tribunal de Justiça proferiu importante julgado em ação civil pública no final do mês de agosto, afirmando que frente a empreendimentos potencialmente lesivos ao meio ambiente é possível a inversão do ônus da prova, cabendo ao empreendedor provar sua segurança. Tenho que tal julgado demonstra caminho a ser seguido, no que concerne à análise de grandes empreendimentos poluidores em nosso país. Por certo a inversão não deve ser a regra, mas a possibilidade de seu reconhecimento já demonstra que as preocupações difusas ambientais estão presentes no STJ. A Turma entendeu que, nas ações civis ambientais, o caráter público e coletivo do bem jurídico tutelado – e não eventual hipossuficiência do autor da demanda em relação ao réu – conduz à conclusão de que alguns direitos do consumidor também devem ser estendidos ao autor daquelas ações, pois essas buscam resguardar (e muitas vezes reparar) o patrimônio público coletivo consubstanciado no meio ambiente. A essas regras, soma-se o princípio da precaução. Esse preceitua que o meio ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida no caso de incerteza (por falta de provas cientificamente relevantes) sobre o nexo causal entre determinada atividade e um efeito ambiental nocivo. Assim, ao interpretar o art. 6º, VIII, da Lei n. 8.078/1990 c/c o art. 21 da Lei n. 7.347/1985, conjugado com o princípio da precaução, justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente lesiva o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento. Precedente citado: REsp 1.049.822-RS, DJe 18/5/2009. REsp 972.902-RS, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 25/8/2009.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Aplicação prática da Súmula Vinculante nº 11 do STF

Hoje o Confraria publica dois textos, ante a gravidade dos fatos.

NÃO FOI FALTA DE AVISOS. Até que demorou para acontecer...

Ontem, 01/09/2009, um agente penitenciário foi baleado na cabeça pelo preso que escoltava durante audiência no Fórum Desembargador Félix Generoso, em Sete Lagoas/MG. O preso Maycon de Jesus Pereira estava sem algemas, se apoderou da arma de fogo do agente penitenciário e o acertou com um tiro na nuca, em plena sala de audiências, na frente do juiz e promotor criminal.

O agente penitenciário Wendrel Schwenck de Assis, de 29 anos, foi transferido em estado grave, de helicóptero, para o pronto-socorro João XXIII, em Belo Horizonte/MG. Pelas últimas notícias que tive, referido agente faleceu.

Após os fatos o preso, que estava detido na Penitenciária Dutra Ladeira, em Ribeirão das Neves (MG), e foi ao fórum para audiência em ação penal que responde pela prática de crime de roubo qualificado pelo emprego de arma de fogo, fugiu pelo corredor e trocou tiros com outro agente penitenciário, que conseguiu dominá-lo após baleá-lo na perna. Por pouco não houve novas vítimas.

Ah, o preso passa bem...

Luís Roberto Barroso para Ministro do STF!

Prezados dois ou três leitores (já estou contando o Sérgio, nosso sócio aqui na Confraria): com a morte do Ministro Direito (que Deus o tenha e sua família seja confortada nesse momento - porém, como jurista, foi um grande político, além de ser arrogante e defensor ferrenho do "sabe com quem está falando"), está aberta mais uma vaga no STF - será a décima indicação de Lula!

Como nesses assuntos não se espera o defunto esfriar, vou dar meu pitaco aqui: Luís Roberto Barroso para Ministro do STF!

Exímio constitucionalista (talvez o melhor no Brasil, na atualidade), estudioso, sem medo de idéias novas, seria um bom contraponto ao Ministro Gilmar Mendes, alguém para lhe fazer sombra intelectualmente. O professor da UERJ atingiu a maturidade de acadêmico, estando mais do que pronto para assumir o posto.

Se o critério for técnico, a vaga será do Dr. Luís Roberto Barroso.

O problema é que, quase sempre, os critérios são políticos. Vamos aguardar e torcer.