quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Fúria legiferante

Aos queridos confrades peço desculpas pela longa ausência, mas o tempo tem sido curto, houve um feriado e algumas obrigações se acumularam.

Bem, deixando os assuntos pessoais de lado, vamos ao que interessa. Já falei sobre isso em um comentário de um post recente. Trata-se da sanha criativa de nosso legislador, um verdadeiro furor legiferante. São feitas inúmeras modificações em nosso arcabouço jurídico todos os anos, de maneira afobada, assistemática, criando verdadeiros "frankensteins normativos". E isso se dá com mais frequência na esfera penal, que mexe com sentimentos do povo em geral (as pessoas têm mais intimidade com homicídios e roubos do que com as debêntures, é óbvio). E é exatamente aqui que a questão apresenta mais problemas, pois é uma seara delicada, recheada de princípios, que ao mais simples toque tornam a lei inconstitucional.

Escrevo essa introdução para apresentar notícia que fala sobre (nova!) modificação na questão dos delitos hediondos. Esperamos que os parlamentares tenham cuidado para não trazerem mais problemas ao já abarrotado judiciário.´

Segue a notícia.


Acordo deve ampliar rigor com crime hediondo

BRASÍLIA - Líderes do governo fizeram acordo nesta terça-feira com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) para aprovar dois projetos de lei que permitem o aumento da permanência na cadeia de condenados por crimes hediondos, como os grandes traficantes de drogas, sem alterar o regime de progressão. Segundo reportagem de Jaílton de Carvalho publicada na edição desta quarta-feira do GLOBO, num dos projetos, a ser votado nesta quarta pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, o governo apresentará emenda para permitir a pena alternativa a condenados em estágio intermediário entre o usuário reincidente e o traficante profissional.

Ficou acertado que a progressão de regime para condenados por crime hediondo poderá ser pleiteada após cumpridos dois quintos da pena - o projeto original de Demóstenes previa que o benefício só poderia ser concedida após cumprida metade da pena -, e volta o exame criminológico: juízes poderão autorizar o semiaberto para esses condenados apenas após exame que ateste se está apto a voltar ao convívio social.


A linha dura deverá ser reforçada ainda com a aprovação do projeto de tipificação do crime organizado, do senador Aloizio Mercadante (PT-SP), na CCJ, na próxima semana. Por ele, qualquer pessoa vinculada a organização criminosa pode ser condenada de cinco a dez anos de prisão. Assim, chefes do tráfico poderiam ser condenados no mínimo duas vezes, uma por tráfico e outra por formação de organização criminosa. Demóstenes vai propor ainda o aumento de um sexto para um terço da base de progressão para condenados por crime comum.

3 comentários:

Sérgio Soares disse...

Vinícius, bom retorno!
Essa questão da constante alteração legislativa é nossa conhecida, militantes da seara jurídica.
Em relação especificamente ao maior rigor no tratamento dos crimes hediondos, ouvi ontem no Jornal Nacional que os legisladores estavam receosos em aumentar o tempo exigido de cumprimento da pena privativa de liberdade para a concessão de progressão de regime, ante o fato do STF estar sinalizando pela inconstitucionalidade de tal medida. Não entendi bem, pois não há qualquer inconstitucionalidade em se aumentar, de 2/5 para 1/2 o tempo exigido para a progressão, como pretendia o Sen. Demóstenes Torres originalmente.
Veja só. Para os crimes comuns está mantida a alteração, de 1/6 para 1/3. Ou seja, com o criminoso que pratica crime hediondo ninguém pode mexer, já com o zé mané da esquina...

Quanto às penas alternativas para os pequenos traficantes, sugiro que sejam aplicadas prestações de serviços à comunidade, em escolas, orfanatos e casas do gênero, onde a clientela será vasta! Pelo amor de Deus!!!

E o exame criminológico, alguém já viu algum? É óbvio que é mais uma enganação legal, posto que os juízes não os exigirão, ante a notória falta de estrutura estatal para o cumprimento do comando legal, sendo que a demora ou a obstaculização do direito por conta do exame acarretaria prejuízo ao condenado etc etc etc.

O Sen. Álvaro Dias fez o alerta, ontem mesmo. Não basta mudar a lei, é necessário dar estrutura para que ela seja efetiva.

Sérgio Soares disse...

Complementando: Sempre defendi que a efetividade das penas depende da redução dos benefícios da execução penal e não do aumento em abstrato do período da condenação.
Tipo: Um condenado a 06 anos de prisão deveria cumprir, ao menos, a metade da pena e não um sexto um ano) como ocorre hoje em dia.
E vai explicar isso pra família da vítima...

Carlos Vinicius disse...

Sérgio,

essa questão da progressão de regime com 1/6 da pena é das coisas mais inexplicáveis e desproporcionais do direito brasileiro.

Vc disse bem: o importante é o efetivo cumprimento da pena. Não adianta colocar uma pena de 100 anos e o cara estar na rua com 2. Quando vejo aqueles casos nos EUA, em que o cara é pego sem carteira (geralmente alguns atores de Hollywood) e fica preso 15 dias (a pena é de 15 dias!), fico pensando: por que no Brasil isso não é possível? Essa certeza da pena é fundamental. E nós não temos isso.

Abraço.