quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Crianças artistas - Há necessidade de limites entre o real e o fictício?




A vilã mirim Rafaela, interpretada pela menina Klara Castanho, de apenas oito anos, pode ser afastada da novela "Viver a Vida" (TV Globo). O Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro enviou uma notificação ao autor Manoel Carlos, recomendando que a personagem seja repensada, ou novas ações na Justiça poderão ser tomadas.


Na história, Rafaela é filha de Dora, personagem da atriz Giovanna Antonelli. Não é a primeira vez que o autor tem problemas com a Justiça por conta de atores menores de idade em suas tramas. Em 2000, um juiz proibiu que crianças atuassem em "Laços de Família" por considerar que a novela contava com muitas cenas de sexo e violência.


No caso da personagem de "Viver a Vida", as procuradoras Maria Vitória Sussekind Rocha e Danielle Cramer avaliam que "nem todas as manifestações artísticas são passíveis de serem exercidas por crianças e adolescentes". "O trabalho infantil artístico deve ser comedido, observando não só os aspectos legais, mas principalmente eventuais reflexos que determinado personagem pode provocar no desenvolvimento da criança", afirmam na notificação.


Para as procuradoras, "no caso em questão, uma criança de oito anos não tem discernimento e formação biopsicossocial para separar o que é realidade daquilo que é ficção. Isso sem contar com as eventuais manifestações de hostilidade que ela pode vir a sofrer por parte do público e não compreendê-las".


O Ministério Público recomenda ainda que o autor Manoel Carlos observe, na elaboração dos seus personagens menores de 18 anos, a harmonização entre o trabalho infantil artístico e a fixação de parâmetros que protejam minimamente o exercício das atividades.

4 comentários:

Sérgio Soares disse...

Não conheço a personagem, pois não assisto essa novela, que me parece uma grande bobagem, repleta de futilidades. Aliás, não sou grande fã de novelas, mas de vez em quando dava boas risadas com os indianos do Caminho das Índias, are baba!

Voltando ao assunto, me parece que os argumentos apresentados pelo MPT são coerentes e técnicos, amparados no ECA.
A criança não está preparada para separar as situações, ficção e realidade, o que poderá acarretar grandes influências em sua personalidade, ainda em desenvolvimento.
Tive acesso a um caso real, em uma das comarcas onde trabalhei, que prefiro não declinar, onde uma criança de 10 ou 11 anos, não me recordo bem, apresentou problemas psicológicos sérios em decorrência de ter sido "escolhida" pela Globo para desempenhar um papel em uma mini-série, sendo que depois de ler roteiros, frequentar o projac por várias semanas, esta criança foi simplesmente descartada, sem qualquer satisfação que não fosse o fato de terem descoberto alguém melhor para o papel.
Detalhe: a menina já estava desenvolvendo características da personalidade da personagem e ficou arrasada com o ocorrido. Sessões com psicólogos e intenso acompanhamento familiar foi o que restou do sonho...
Em se tratando de personalidades em formação, toda cautela é necessária, ainda que desagrade os "muderninhos" da Globo, que não se importam nem um pouco com essas coisas.

Carlos Vinicius disse...

Sérgio,

só o contato com o ambiente do Projac já é complicado para uma criança. São inúmeros os relatos de uso (e abuso) de drogas naquele local. Claro, isso é tudo de "ouvi dizer", os órgãos públicos não devem se ater a isso, mas essa questão da personalidade, que você vivenciou na prática, já é motivo mais do que suficiente.

Porém, fazendo o papel de advogado do diabo e voltando ao tema que já discutimos algumas vezes aqui, não seria também uma exagerada intromissão estatal nas relações privadas, pois trata-se de família que provém todas as necessidades da criança, e aí estaríamos dentro da esfera de autoridade dos pais? É mais um daqueles temas de colisão de direitos fundamentais.

Abração.

P.S.: o blog está movimentado. Essa semana fiquei meio afastado por causa de dois plantões no fórum e do grande número de diligências feitas.

Sérgio Soares disse...

Vinícius, sabes que também não sou adepto da excessiva invasão estatal na esfera privada do cidadão. Contudo, creio que neste caso a intromissão estatal é justificada, ante a conduta/omissão juridicamente relevante dos pais, levando-se em consideração a incapacidade da criança.
Como dispõe o ECA, no artigo 5º, nenhuma criança será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Não se trata de conflito de interesses privados de alguém plenamente capaz e interesses estatais.
Grande abraço.

PS.: Vou ficar fora por uns dias, sem internet. Voltarei no dia 18. Grande abraço a todos.

Carlos Vinicius disse...

Bravo Sérgio,

veja bem, o que estou colocando é se o art. 5º do ECA foi realmente ferido, é até onde o Estado pode se intrometer naquilo que os pais acham melhor para seus filhos - no caso em exame, se a mãe da Dora pode submeter a filha àquilo. O ponto em que quero chegar é o seguinte: quem sabe o que é melhor para a filha dela? Será que realmente há prejuízo para a criança ali? Há uma zona cinzenta, naquele ponto em que determinados atos dos pais passam a configurar lesão aos direitos da criança. Isso é muito comum nos EUA na questão do homeschooling. Sei que são sociedades completamente diferentes, de níveis cultural/sócio-econômicos distintos, mas a questão lá sempre é discutida.

E no fundo, a questão acabará no ECA, e na amplitude que se dá a ele, na proteção estatal à criança, até que ponto essa proteção estatal é realmente proteção, e o ponto em que ela passa a ser intromissão na esfera privada. E mais: será que a Dora, fazendo esse trabalho, está tendo seus direitos tolhidos em maior escala do que crianças que convivem com homens vendendo drogas armados na porta de suas casas?

A questão é complexa e demanda mais tempo do que um simples comentário, mas o tema é muito bom.

Abração.

P.S.: eu jamais deixaria minha filha exposta a esse tipo de coisa.