quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Estado laico

Bom dia.

Vejam essa notícia publicada no Consultor Jurídico:

MPF pede para União retirar símbolos religiososA Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo ajuizou uma Ação Civil Pública pedindo que a União retire todos os símbolos religiosos em repartições públicas federais no estado de São Paulo.

Segundo o Ministério Público Federal, inúmeras pessoas se dirigem aos prédios da União diariamente e tem a sua liberdade de crença ofendida diante da ostentação pública de símbolos religiosos não relacionados com a fé que professam. No pedido feito à Justiça Federal, o MPF pede aplicação de multa diária simbólica no valor de R$ 1 para servir como um contador do desrespeito que poderá ser demonstrado pela União, caso não cumpra a determinação judicial. O MPF pede prazo para a retirada dos símbolos religiosos de até 120 dias após a decisão.

O pedido do MPF se baseou no argumento de que, apesar da população brasileira ser de maioria cristã, o Brasil optou por ser um Estado laico. Com isso, não há vinculação entre o poder público e determinada igreja ou religião, onde todos têm o direito de escolher uma crença religiosa ou optar por não ter nenhuma, assegurado pelo artigo 5 da Constituição Federal.

Segundo o procurador regional dos Direitos do Cidadão e autor da ação, Jefferson Aparecido Dias, cabe ao Estado proteger todos essas manifestações religiosas sem tomar partido de nenhuma delas.“Quando o Estado ostenta um símbolo religioso de uma determinada religião em uma repartição pública, está discriminado todas as demais ou mesmo quem não tem religião afrontando o que diz a Constituição.” Com informações da Assessoria de Imprensa do Ministério Público Federal.

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Somos um Estado laico, apesar da referência a Deus no preâmbulo da Constituição da República. Mas temos um povo extremamente religioso, espiritualizado, e que sempre resolveu suas diferencas religiosas de uma maneira singular, diferente da maioria dos outros povos da terra: com o sincretismo religioso. Misturas de religiões e de dogmas são características típicas do povo brasileiro.

Aí vem a pergunta: qual seriam as implicações da iniciativa do MPF nesse terreno?

À primeira vista, o MPF agiu cumprindo uma de suas funções primárias, qual seja, a defesa da Constituição.

Porém, nenhuma interpretação jurídica pode ignorar a realidade da sociedade em que é aplicada.

A presença de crucifixos em repartições públicas existe. Deveria existir? Não, não deveria. Mas existe.

Ora, em um país com ampla maioria cristã, a questão parece submeter essa imensa maioria à vontade de uma insignificante minoria. Sei, dirão que uma das funções dos direitos fundamentais é ser contramajoritário, assegurar os direitos das minorias etc. Mas aqui está o cerne da questão: na realidade brasileira, as minorias religiosas estão com os seus direitos ameaçados pela presença de crucifixos nas repartições públicas? Estão impedidos de exercer os seus direitos de crença?

Gostaria de saber se o MPF recebeu muitas reclamações acerca da presença de símbolos do cristianismo em repartições públicas. Conhecendo um pouco nosso país, posso afirmar que não, que não houve sequer uma reclamação. O MPF, certamente, foi movido por pura vaidade, talvez para se sentir mais perto do Velho Mundo (principalmente a França), onde tal tema é tratado dessa maneira, muito mais por medo de ataques terroristas promovidos por intolerantes religiosos (cristãos e muçulmanos, principalmente)do que por pureza científica dos operadores do direito.

Importar uma realidade alienígena, sem qualquer critério de adaptação (como uma consulta aos freqüentadores das repartições públicas, por exemplo), demonstra apenas nosso complexo de inferioridade, de achar que tudo que vem de fora não apenas nos serve, mas nos ensinará a viver como seres humanos civilizados. O que o MPF não percebeu é que nessa área, talvez, o mundo devesse aprender com o Brasil, e não o contrário.

Ao promover uma ação totalmente desvinculada da realidade brasileira, o MPF, movido por vergonhoso complexo de inferioridade, quer tentar resolver algo que os brasileiros conseguiram, à sua maneira, é verdade, resolver há muito tempo. E pode, infelizmente, ter efeito contrário, trazendo para nossa sociedade, a intolerância religiosa que a Europa conhece tão bem.

Bom dia.

8 comentários:

Sérgio Soares disse...

Entendo que esta é uma questão tormentosa. Já passei por episódio interessante quando da mudança das instalações onde atuo. Uma servidora trouxe vários crucifixos, para que fossem colocados em todas os gabinetes. Aceitei respeitosamente a oferta, mas declinei de colocá-lo na parede, explicando que o estado era laico e que, já que se tratava de uma sede nova, partindo do zero, entendia que não deveríamos selecionar uma opção religiosa para o local. A servidora me olhou com espanto. Ok. Depois percebi que fui o único a ter tal atitude, o que demonstra que talvez tenha agido com excesso de zelo. Sinceramente não sei.
Ah, só um registro: sou cristão.

Vinicius disse...

Sérgio, valeu pelo comentário! Emocionante, pois foi o primeiro. Mas sei que a deferência foi muito mais pela amizade.

Veja bem, o tema é muito espinhoso, reconheço. Eu mesmo sou a favor de que não haja nenhuma referência a temas religiosos nos locais de trabalho. Se pudesse, retiraria a expressão "sob a proteção de Deus" do preâmbulo da Constituição.

Porém, o que me incomoda é uma às vezes excessiva intromissão do Estado em questões bem resolvidas pelos cidadãos. É papel do MP zelar pela Constituição? É sim, claro. Zelar por um Estado laico é zelar pela Constituição? Certamente. Porém, somos um país com inúmeras carências. Vários outros temas constitucionais carecem de atenção, e vemos pouca ação.

No Velho Mundo isso é preocupação sim, mas pelo motivo que coloquei (conhecem bem a intolerância religiosa) e por já terem equacionado todos os problemas principais, como saúde, educação, transportes, saneamento básico, mortalidade infantil, direitos trabalhistas e por aí vai. Natural que se preocupem com outros temas.

Mas concordo com vc, a questão não tem nada de simples.

Ah, também sou cristão.

Abração, Sérgio.

Vinicius disse...

Complementando: após amizade deveria ter colocado a expressão rsrsrsrs... rsrsrsrs

E quando falo local de trabalho, obviamente, refiro-me a repartições públicas.

Sérgio Soares disse...

Concordo integralmente quanto à indevida intromissão estatal em questões pacificadas no seio da sociedade. Este fenômeno ocorre, com bastante frequência, em especial na seara do direito de família.

Sérgio Soares disse...

Vinícius, quando você disse que este teria sido o primeiro comentário, você se referiu a este post, não é? Pois eu já havia comentado outros dois anteriormente.
Valeu.

Carlos Vinicius disse...

Sérgio, eu não havia visto os outros dois comentários.

Bom, agradecimentos triplicados!!! rsrsrs

Abração.

Sérgio Soares disse...

Saiu hoje no GLOBO, na coluna panorama político, notícia que diz respeito a este post:
"O Plano Nacional de Direitos Humanos, discutido no governo, quer acabar com a exibição de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União. Ação do Ministério Público Federal de São Paulo quer o mesmo no estado.

Sérgio Soares disse...

Segue o alerta do jurista William Douglas sobre o assunto:
"A resposta estatal ao cidadão queixoso, mencionado acima, não deveria ser uma ação civil pública, mas uma simples orientação, no sentido de que o país ter uma formação histórica-cultural cristã explica que haja na parede um crucifixo e que tal presença não importa em discriminação alguma. Ao contrário, o pensamento deletério e a ser combatido é a intolerância religiosa, que se expressa quando alguém desrespeita ou se incomoda com a opção e o sentimento religioso alheios, o que inclui querer eliminar os símbolos religiosos.
(...)
Nesse passo, eu, protestante e avesso às imagens (é notório o debate entre protestantes e católicos a respeito das imagens esculpidas de santos), tive a ocasião de ver uma funcionária da Vara Federal onde sou titular colocar sobre sua mesa uma imagem de Nossa Senhora de Aparecida. A minha formação religiosa e jurídica, onde ressalto a predileção, magistério e cotidiano afeito ao Direito Constitucional, me levou a ver tal ato com respeito, vez que cada um escolhe sua linha religiosa. A imagem não me ofendeu, mas sim me alegrou por viver em um país onde há liberdade de culto. Igualmente, quando vejo o crucifixo com uma imagem de Jesus não me ofendo por (segundo minha linha religiosa) haver ali um ídolo, mas compreendo que em um país com maioria e história católica aquela imagem é natural.
(...)
Vale dizer que se a medida for ser levada a sério, deveríamos também extinguir todos os feriados religiosos, mudar o nome de milhares de ruas e municípios...(...)
Então, valendo-se de uma interpretação parcial da laicidade do Estado, passam a querer eliminar todo e qualquer símbolo, e por consequência, manifestação de religiosidade. Isso sim é que é intolerância.

(...) mas se foram católicos que começaram este país, me parece mais que razoável respeitar que a influência de sua fé esteja cristalizada no país. Querer extrair tais símbolos não só afronta o direito dos católicos conviverem com o legado histórico que concederam a todos, como também a história de meu próprio país e, portanto, também minha."

Extraído de: http://www.conjur.com.br/2009-ago-11/retirada-crucifixos-discussao-pirotecnica-intolerante?pagina=3