sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O país da impunidade

Pela notícia colocada abaixo, retirada do site Conjur, já se vão nove anos de impunidade no caso Pimenta Neves.

O réu está solto com base, principalmente, no princípio da presunção da inocência, que só cai, no Brasil (é importante que se diga), com o trânsito em julgado, mesmo que para isso tenha que passar pelos recursos extraordinários (especial e extraordinário), ferindo de morte a justiça de primeiro grau.

Muito já se falou sobre isso, mas a comunidade jurídica precisa repensar tal conceito, antes que ocorra uma desmoralização de um princípio que é conquista da sociedade ocidental. E o primeiro passo para que haja uma reavaliação pode ser dado na seara do tribunal do júri. Tal tribunal está previsto como direito fundamental, cláusula pétrea de nossa Lei Maior. Suas decisões são soberanas. Ora, se há algum lugar da doutrina constitucional-penal-processual penal em que existe a possibilidade de um abrandamento do princípio da presunção da inocência, com base apenas em critérios de razoabilidade e proporcionalidade, esse lugar é o tribunal do júri.

Tanto o princípio da não-culpabilidade quanto a garantia do júri têm assento constitucional, estão no rol dos direitos e garantias fundamentais, com a mesma carga axiológica, e ambos tutelam preciosos bens jurídicos (liberdade e vida).

Portanto, é perfeitamente possível manter a atual jurisprudência do STF em relação ao princípio da não-culpabilidade (apesar de sua exagerada elasticidade, com o que não concordamos, mas as mudanças podem ser pontuais), abrindo-se uma exceção exatamente nas questões decididas pelo tribunal do júri, reforçando-se tal ponto de vista nos casos em que, além da decisão do tribunal popular, SOBERANA, haja ainda a confissão do réu, livre de qualquer suspeita de coação.

O caso do jornalista de SP é apenas um exemplo. Outro foi dado essa semana quando um ex-cabo da PM paulista foi colocado em liberdade após cumprir 18 anos de uma pena de 113, após ter assassinado 13 pessoas. Um ano e meio, aproximadamente, por cada vítima (http://oglobo.globo.com/cidades/sp/mat/2009/08/20/cabo-bruno-ex-policial-que-comandou-grupo-de-exterminio-em-sp-vai-para-semiaberto-757488503.asp), expondo toda a irrazoabilidade do cumprimento de 1/6 da pena para progressão de regima (nos hediondos e equiparados o percentual "subiu" para 2/5, o que ainda é totalmente irrazoável, levando-se em conta a gravidade dos delitos).

É necessário que a comunidade jurídica repense certos dogmas no Brasil, antes que ocorra a desmoralização de institutos que foram consagrados mundo afora às custas de muito sangue e vidas humanas.

Segue a notícia do site Conjur.

Morte de Sandra Gomide completa nove anos

por Lilian Matsuura e Gláucia Milício

O assassinato da jornalista Sandra Gomide completa nove anos nesta quinta-feira (20/8) sem uma condenação definitiva do assassino confesso, o também jornalista Antônio Pimenta Neves. O jornalista, que confessou ter atirado pelas costas em Sandra em um haras de Ibiúna (SP), foi condenado por júri popular a 19 anos e dois meses de prisão, mas recebeu o benefício de continuar em liberdade até que todos os recursos ajuizados por seus advogados tenham sido julgados (direito confirmado em jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal Federal). A pena foi posteriormente reduzida para 15 anos. A demora para a conclusão do processo, no entanto, reacende a discussão sobre a utilização abusiva de recursos na Justiça.

Mesmo fazendo a ressalva de que não conhece o caso concreto, o presidente do Conselho Nacional de Justiça, ministro Gilmar Mendes, diz que a demora do sistema de Justiça em dar respostas em um prazo razoável desmoraliza o instituto do direito de defesa e da presunção de inocência. O ministro lembrou também de outro caso de grande repercussão nacional, o assassinato dos fiscais do Trabalho em Unaí, em 2004, que se arrasta na Justiça sem que os acusados tenham ido a júri, passados cinco anos.

Gilmar Mendes prometeu que deve se reunir em breve com o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Asfor Rocha, para tratar do assunto. Segundo ele, em Pernambuco (local onde acontece o mutirão do sistema carcerário do CNJ), há registro de casos de homicídio prescritos. “Isso significa que, passados 20 anos, o acusado ainda não foi julgado", diz.

Em entrevista à Consultor Jurídico, o advogado da família Gomide, Sergei Cobra Arbex, sustentou que não deve ser aplicado o princípio da presunção de inocência para réu confesso, como Pimenta Neves, para mantê-lo em liberdade até o trânsito em julgado da sentença condenátória. "O instituto da presunção de inocência serve para quem alega inocência, o que não aconteceu com Pimenta Neves, que é réu confesso do crime".

Arbex afirma que a demora no desfecho do processo não pode ser atribuída aos recursos ajuizados pela parte contrária. “Não podemos colocar culpa nos recursos, que estão previstos em lei e são ferramentas do advogado. Os recursos existem, mas, quando a Justiça quer, ela julga rápido”, diz. “Esse é um dos casos que exige resposta rápida do Judiciário e isso não aconteceu até hoje. Não pode virar um descaso na Justiça."

Ao criticar a morosidade do Judiciário, o criminalista conta que atua num caso que está pendente de julgamento há 15 anos. “O julgamento no Judiciário precisa ser célere tanto para o preso que depois se prova que é inocente, como para o culpado". Sergei Cobra Arbex lembra que a pena que Pimenta Neves tem de pagar é uma dívida com toda a sociedade.

O advogado Carlo Frederico Müller, que atuou na defesa de Pimenta Neves, afirma que os recursos foram usados para a mais completa defesa de seu cliente, como prevê a Constituição Federal. Ressalta que respeita a posição do “eminente ministro Gilmar Mendes” e observa que a demora de nove anos representa a garantia do devido processo legal. “É um privilégio hoje podermos reclamar de processos que demoram para serem julgados. Antes, as pessoas eram presas, torturadas e assassinadas sem qualquer julgamento”, lembra.

“A Justiça tem de ser célere, mas não pode ser irresponsável e nem sinônimo de injustiça”, diz Müller, citando casos encontrados pelo Conselho Nacional de Justiça, de réus presos há anos já tendo cumprido a pena. “O mal que se causa ao prender um cidadão, primando por celeridade, para depois descobrir que era inocente, é irreparável.”

Para ele, o advogado não pode ser punido pela ineficiência do Judiciário. Müller recorda que, durante esses nove anos de andamento do processo, duas greves foram deflagradas pelos servidores do Judiciário paulista, o que atrasou o andamento do processo, pelos seus cálculos, em quase quatro anos. “A demora no processo não favorece o réu, principalmente, na área criminal”, diz, ao acrescentar que existem ações em andamento há mais de nove anos sem que o réu tenha ido a júri. Mesmo porque o advogado que um dia atua na defesa do réu, em outro dia está na acusação.

Tramitação processual

Pimenta Neves foi condenado pelo crime de homicídio em maio de 2006 a pena de 19 anos e dois meses. O Tribunal de Justiça de São Paulo reduziu a pena para 18 anos de prisão porque o réu confessou o crime e decretou a prisão de Pimenta Neves. Ele conseguiu um Habeas Corpus e aguarda o trânsito em julgado da sentença condenatória em liberdade. Em setembro de 2007, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao analisar recurso contra a decisão que o condenou, decidiu que Pimenta deve cumprir pena de 15 anos de prisão. Outros agravos foram ajuizados no próprio tribunal. Ainda há um Agravo Regimental, ajuizado pela defesa, pendente de julgamento no STJ.

Depois de superada essa fase, o Supremo Tribunal Federal julgará Recurso Extraordinário ajuizado também pelos advogados de Pimenta Neves. O decano, ministro Celso de Mello, é o relator do recurso.

Em outubro de 2008, Pimenta Neves foi condenado a pagar indenização de R$ 166 mil para os pais de Sandra Gomide pelo abalo moral causado. A decisão foi assinada pela juíza Mariella Ferraz de Arruda Nogueira, da 39ª Vara Cível de São Paulo. Além da indenização, a juíza manteve parte do bloqueio dos bens de Pimenta Neves como forma de “salvaguardar terceiros de boa-fé, evitando que adquiram bens que possam estar ou vir a estar comprometidos em demandas judiciais contra seus titulares”.

Os pais de Sandra alegaram que ficaram doentes depois da morte da filha, tanto fisicamente quanto psicologicamente, tamanho o abalo moral sofrido. Na ocasião, a defesa de Pimenta Neves argumentou que o jornalista também é vítima porque sofreu abalo psicológico e teve sua vida e imagem atacadas. E mais: que ele não tinha de pagar indenização porque a dor não pode ser mensurada economicamente. A indenização ainda não foi paga, pois ainda cabe recurso da decisão.

A defesa de Pimenta Neves não foi encontrada pela Consultor Jurídico para comentar a reportagem. O jornalista, ao longo do processo, mudou de advogado por quatro vezes. Quem assumiu sua defesa, há pouco mais de um ano, foi José Alves de Brito Filho, no lugar dos advogados Carlo Frederico Müller e Ilana Müller.
Pimenta Neves teria conhecido Brito Filho quando os dois estiveram presos juntos no 77º Distrito Policial de São Paulo, há cerca de sete anos. Na mesma cela, também esteve por um período o juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto. Brito Filho foi preso sob acusação de subtração de processos judiciais e formação de quadrilha, chegou a ser condenado a quatro anos de prisão, mas teve a condenação anulada pela Justiça. Ele nega, contudo, que tenha conhecido Pimenta Neves na cadeia.


Namoro fatal

Sandra Gomide era uma jornalista em início de carreira quando conheceu Pimenta Neves, em 1986, em São Paulo. Ele era chefe de redação do jornal Gazeta Mercantil. Pimenta Neves tinha 30 anos a mais que Sandra.

O jornalista saiu da Gazeta e foi dirigir o jornal O Estado de São Paulo. Levou Sandra e ela foi promovida a editora, com 30 anos de idade. O namoro terminou, mas Pimenta Neves não se contentou em vingar-se só com a demissão de Sandra. Começou a persegui-la. Sandra alugou um apartamento perto da oficina mecânica do pai. Pimenta também alugou um apartamento no mesmo andar para espioná-la. Ele a ameaçava com mensagens na secretária eletrônica.

Sandra gostava muito de cavalos e começou a frequentar um haras em Ibiúna, no interior de SP. Foi lá que Pimenta assassinou a ex-namorada com dois tiros (o primeiro nas costas e o segundo na cabeça) em 20 de agosto de 2000. Há rumores que, depois do assassinato, ele ligou para a redação do Estadão e pediu que a notícia não fosse manchete.

Fonte: Conjur

Um comentário:

Sérgio Soares disse...

Nessas horas eu me pergunto:

1)Não seria o caso dos Excelentíssimos Ministros do STF, entre eles o Dr. Gilmar Mendes, indenizarem os familiares das vítimas pela absurda falta da justa prestação jurisdicional, decorrente da esdrúxula posição adotada pelo referido tribunal? E indenizarem também o estado, ante o descrédito do Poder Judiciário, decorrente da interpretação dada à presunção de inocência?

2)Não seria o caso dos Excelentíssimos Ministros do STF, entre eles o Dr. Gilmar Mendes, terem humildade de perceberem o grave erro em que incorrem, dando ao princípio da presunção da inocência alcance extremo, que não se percebe quando da análise do direito comparado?

3) Por quais motivos o STF confunde presunção de inocência com trânsito em julgado?

4) É justo, no sentido mais profundo do termo, que um réu CONFESSO de um crime hediondo, condenado em primeira instância, continue em liberdade, passados vários anos da prática delitiva? Não estaria o estado incentivando a vingança privada?

5) O princípio da presunção de inocência, ante a posição do STF, não deveria também abranger as prisões cautelares, já que por óbvio em casos tais não há decreto condenatório transitado em julgado? Deveríamos então extirpar de nosso ordenamento jurídico as prisões cautelares?

6) Um decreto de prisão preventiva, temporária ou um auto de prisão em flagrante teriam mais valor que uma sentença condenatória prolatada após o devido processo legal, garantido o contraditório?

Esta mensagem foi feita em tom de desabafo, posto que os critérios técnicos e jurídicos são por demais conhecidos, a demonstrar o absurdo que é a interpretação do STF.