quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Esfera privada e garantia da vida pelo Estado

O tema já é corrente na esfera dos direitos fundamentais: são as questões envolvendo transfusões de sangue e os praticantes da denominação Testemunhas de Jeová. Em regra, os tribunais dão prevalência ao direito à vida, determinando que sejam feitas as transfusões de sangue, em detrimento da liberdade religiosa (principalmente em questões envolvendo crianças).

O caso abaixo, porém, traz uma novidade. Trata-se de um senhor de 81 anos, em perfeitas condições psicológicas, que afirmou não querer se submeter ao tratamento indicado (transfusão de sangue). Aí entra mais um vetor: a esfera privada e a questão da incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas. Há um "embate" entre a garantia da vida pelo Estado e a liberdade de crença, ancorada no direito à autodeterminação, livre da ingerência do Estado.

O tema é polêmico e confesso que não é fácil tomar posição por esse ou aquele entendimento. Mas a decisão é interessante pelo ineditismo. Em doutrina, tal entendimento já vinha sendo defendido pelo prof. Gustavo Tepedino, da UERJ.

Segue o texto.

Justiça nega ordem para transfusão de sangue em paciente testemunha de Jeová
Da Redação

20/07/2009 - 15h48


O TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) negou o pedido de autorização judicial feito pela Casa de Saúde e Maternidade Joari para realizar uma transfusão de sangue no paciente José Ferreira, de 81 anos, que por ser testemunha de Jeová não quer se submeter ao procedimento, mesmo ciente dos riscos que corre.

De acordo com os autos, o paciente está lúcido e preferiu seguir com sua fé, conforme atesta a certidão apresentada por seu advogado, pois sua religião não permite que seus adeptos recebam sangue de outras pessoas. Entretanto, José Ferreira apresenta quadro clínico debilitado, com insuficiência renal, hemorragia digestiva e graves problemas nas artérias.

Quanto ao papel desempenhado pelo médico que cuida do caso, o juiz André Nicolitt afirmou que “ao proceder à intervenção no intuito de salvar a vida, o médico age em cumprimento ao seu dever ético profissional. Por outro lado, se não age em respeito à liberdade do paciente, sua omissão está respaldada pela Constituição”.

Segundo o magistrado, a liberdade do idoso deve ser respeitada e, por isso, o Estado não deve intervir. Ele entende que diminuir o sofrimento do idoso é manter viva a sua crença no paraíso e afirma que, mesmo não partilhando da crença religiosa do paciente, os princípios de justiça e a ordem constitucional conduziram a decisão, ainda que esbarrando em suas convicções intuitivas, culturais e religiosas.

Fonte: Conjur

Um comentário:

Sérgio Soares disse...

Boa Vinícius, confesso que é o primero julgado desse tipo com que me deparo. Como você bem disse, a questão é muito complicada. Acredito que me posicionaria, se necessário, pela supremacia do direito à vida, indisponível, aplicando-se os princípios da proporcionalidade e razoabilidade ante aparente confronto entre normas constitucionais. Mas como dito, é uma questão tormentosa.